segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A VELHICE É TRISTE


Faz bem à vida reencontrar amigos dos tempos em que se desleixava deveres, constituir família era projeto futuro, estudar uma obrigação agradável, descumprir horário fator corriqueiro, promessas esquecidas não causavam arrependimento e cada qual levava o dia a dia da melhor maneira possível. Sobretudo, trabalhando. Batalhar desde cedo nunca matou operário.
 Feliz, portanto, quem marcou data para nosso grupo de anciãos fazer-se presente na “Toca da Onça”, boteco da zona portuária, vizinho de cabarés, dancings e restaurantes cuja freguesia era composta de marujos, notívagos e “mariposas” de boa estrutura física e espiritual.
Compareceu à “Toca” quem pode, ou seja, os sobreviventes de nostálgico período, onde jornalistas sabiam ler, escrever, produzir, sem precisão de faculdade.
 Tirante hipertensão, diabete, artrose, fígados inchados, problemas de próstata, quinze safenas, uma confissão explícita de impotência, o remanescente nos conformes.
A alegria contagiante, os trocadilhos, a revolta com a atuação política da maioria no Congresso, a condenação da ignorância cultural disseminada entre a mocidade graças ao semi-analfabetismo de parte do professorado, a intercessão da mídia no cotidiano das pessoas, de tudo se falou ou aconteceu um pouco.
Parecia um bando de dinossauros a dar importância ao quase nada, ao nada poder executar com a desenvoltura de outrora.
Nego a existir geração tão porreta e engenhosa. Não havia computador para substituir o cérebro de ninguém. As opções se debatiam na dicotomia – colocar a cabeça para funcionar ou tudo se embrulhar no furor da concorrência. Infelizmente, nossas testemunhas são peças de museu.
O processo criativo da Natureza terminou no paraíso, o resto é transformação. Será?
Que realizam - senão criar – os escritores, publicitários, compositores, poetas, arquitetos, designers, inventores toda espécie e grandeza?   
A propósito, maçã é fruta enigmática.
Isaac, o Newton, descobriu a força da gravidade em razão da queda de uma delas no alto do seu cocuruto. Haroldo Lobo consagrou na marchinha carnavalesca o requinte gastronômico de Adão – “maçã igual àquela, o papai também comia.”
A gente caiçara, ao abrir os olhos, enxerga o mar, as moças morenas, a valentia dos pescadores, homens sem medo de enfrentar o oceano.
Na meninice costumava ouvir – garoto, nadando sempre em linha reta, se alcança a África. Provava-se coragem dando braçadas até perder fôlego. Difícil retornar à praia. Tentar a façanha, dever de traquinagem juvenil.
Por carência de oportunidade não dei um giro pela orla. Lamento.
Na prosa dos vetustos, um camaradinha exaltou aventuras quixotescas, multiplicadas ao sabor da cortesia imposta pela civilidade da assistência. Houve quem descrevesse reportagem realizada in-loco por ocasião da descida do homem na superfície da lua. Um terceiro forneceu detalhes de entrevista com ETs aparecidos em rodovia federal em reparo (sic). Outro abasteceu a platéia narrando pormenores de conversa íntima mantida com determinado Papa durante viagem à América do Sul. Divulgaram conselhos desprezados por Pelé e o trabalho de certo radialista em ensinar o beijo técnico trocado entre o Randal Juliano e a Vida Alves no início das transmissões televisivas.
Enfim, proezas de causar inveja a mitólogos de todas as raças.
Espumantes tulipas de chope adornavam o ambiente. Uma saudade imensa revigorava orgulhos pretéritos Mentiras e verdades, descritas sem pavor de recriminações, abrilhantavam o espaço reservado a tradicionais freqüentadores da tasca secular.
 Na rua, despencava um toró - águas de março, fechando o verão...
Assim revi amigos, companheiros perdidos por décadas, turma legal que se prepara, sem cuidado, para seguir em direção ao desconhecido.
Tive pena de alguns. Compaixão, piedade, como definir? Não se prepararam para a velhice. Gastaram dinheiro e talento sem pensar no futuro.
No carro, conferi idéias com o Cuna.
- Na próxima estarei ausente. Voltar a terra mãe, que vantagem trouxe?
- Praiano, acontece que estivemos em reduto fossilizado. Nenhum deles progrediu ou se adaptou aos avanços tecnológicos. Continuam sendo, apenas, gente boa. A velhice é triste, quando nos acomodamos. Este, o drama da maioria dos seres humanos.
As mulheres, em geral, reagem. Disfarçam a perda do interesse pelos assuntos de cachola, assistindo a novelas. As pelancas elas corrigem, injetando botox.
 - O sol começa a expulsar as estrelas. Vamos no balançar da calmaria. O último apressado engarrafou as nuvens. Negócio é subir a serra devagar. Deixa o Galo dirigir. É profissional.  
- Queixoso, faltou-lhe picardia. Reparou na jambete que nos devorava com os olhos?
A fossa não se origina no fato de não teres o que vestir.  Mas, naquele deixar de notar que, ao lado, está uma descolada disposta a te despir. Morou?  
- Pompas, fêmea no pedaço e não cutucou. Colocaríamos a modernidade a serviço da satisfação. Comprava-se uma caixa de Viagra, (dane-se o coração) e pau na crise. Mulher solta sempre se ampara em “comadre” cúmplice prá qualquer babado. Dava pros dois. É de praxe.
- As boas sugestões aparecem antes ou depois da hora justa. Agora, só no binóculo. Tua decisão é de escapar da reunião seguinte, Entonces...
- Cuna, entendeu errado. Acha possível eu afirmar uma asneira dessa? O lance será abandonar a lengalenga daqueles cretinos e ficar alerta. Trocou sorrisos, muda-se de mesa. A mais tesuda é minha. Que pode suceder, salvo alegria, alegria?

Nenhum comentário:

Postar um comentário