quinta-feira, 25 de agosto de 2011

NÃO MUDOU GRANDE COISA...


A grande maioria de nós nem era nascida. O cronista, garoto fuçador, recém introduzido nas lides jornalísticas da época, acompanhou o fato como simples espectador, por arranjo e graça de amigo influente.
 Um foca começa a vida por baixo. Depois, através de esforços, engenho e arte realiza trabalhos de envergadura, se tiver qualidades necessárias ao bom desempenho profissional. Tempos passam, tempos chegam, tudo recomeça para eterna continuação. Somente avança a tecnologia posta à disposição dos interessados em atualizar-se para não perder o trem da modernidade.
            No final da década 50, o Padre Louis Joseph Lebret escritor, economista, sociólogo francês, criador do “Instituto Internacional para o Desenvolvimento Global Harmonizado” e da revista “Desenvolvimento e Civilização” esteve na América Latina a fim pronunciar palestras e aprofundar estudos acerca de os motivos do nosso atraso e disparidades sociais. Recebido por admiradores e intelectuais preferiu hospedar-se defronte à orla do Rio de Janeiro. Dispensou mordomias. Os irmãos de Ordem Religiosa compreenderam a decisão. Viera a serviço da ciência
Tão logo aportou em terras brasileiras cumpriu obrigações acadêmicas, recolheu-se, marcou para as 7.00 h da manhã seguinte a primeira visita à cidade. Para surpresa dos anfitriões, “o homem deixara os aposentos duas horas antes e deveria estar caminhando pelo “calçadão” da praia. A explicação de Lebret convenceu – “gosto de rezar apreciando o nascer do dia”...
Definiu o próximo encontro de “observação e análise” para as 6.00h do dia posterior. Não deu outra. O respeitabilíssimo pegara um táxi lá pelas 4.00 da matina e se mandara para lugar desconhecido... O jeito foi aguardar o retorno.
Brasileiro detesta verdades pronunciadas por quem quer que seja. Prefere varrer a miséria para um canto da sala, local de difícil visão para os convidados.
Na conversa de despedida, o francês mostrou-se gentil, porém incisivo – “o problema de vocês, além da completa falta de infra-estrutura urbana é cultural. Ontem, fui abrir latas de lixo. Hoje também. Guardadas as proporções, o desperdício na favela nada fica a dever ao lixo encontrado nos recipientes que vasculhei na porta dos prédios do Leme e de  Copacabana”.
Prosseguiu amigavelmente – “educar prolonga-se geração após geração. É processo contínuo. Não deve sofrer interrupção. Somente depois de vocês absorverem o valor da poupança em cada ato da vida diária haverá transformação capaz de libertar o país da visão que mantém sobre este Estado-mãe obrigado a tudo socorrer à custa do erário, quase sempre dilapidado de forma irresponsável”.
Lebret faleceu em 1966 (Paris). Mais de meio século.
O Gaudêncio Torquato, não faz muito, rememora, com felicidade ímpar, passagens do livro de José Abrantes, professor engenheiro da UERJ – “O País dos Desperdícios.”
- Jogamos fora, por razões diversas, 50% dos alimentos produzidos (perda anual de R$ 12 bilhões, o que daria para satisfazer a fome de 30 milhões de pessoas). 40% da água distribuída, 30% da energia elétrica. Daí a fora.
Os cálculos foram feitos de maneira isenta, com erudição e critério, longe do refrão - “nunca dantes”. Por sinal, no caso, a expressão correta seria -“como sempre sucedeu.
Há simplesmente um PIB e meio desperdiçado, ou seja, jogam-se no lixo R$ 3,6 trilhões a cada 12 meses. Se a montanha de riquezas pudesse ser preservada, o país há muito, estaria no ranking de as maiores potências mundiais.
Torquato se permite divagar sobre ai maneira de diminuir o Produto Nacional Bruto do Esbanjamento.  
 - “Ordem e disciplina nos gastos. Rigor no preceito constitucional da economicidade e moralidade. Uso racional do espaço público. Coordenação eficaz dos planos de obras. Qualificação e treinamento dos quadros funcionais. Elevação geral do nível educacional da população”.
No momento em que o mais modesto cidadão conseguir decifrar a conta da gastança inútil, as distâncias entre os compartimentos da pirâmide social serão menores e o Brasil maior.
Nada de paternalismo, nada de benesses eleitoreiras. Tudo a ver com a racionalidade das matérias de real interesse coletivo.
É grande o espaço temporal entre as observações do Pe. Lebret e os indicadores apontados pelo Eng. Abrantes.
Apenas uma reflexão – as coisas alteraram muito?

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

PINGA FOGO


As sessões do Parlamento se iniciam com o “Pequeno Expediente”, vulgo “pinga fogo.” É horário destinado a comunicações de menor importância, leitura de trechos jornalísticos editados em publicações interioranas, momento de glória para qualquer integrante do “baixo clero” deitar e rolar, fazendo média com os eleitores de sua região de origem.
Na realidade, ninguém escuta o que dizem, o plenário está vazio, quem preside a Mesa Diretora é o terceiro ou quarto secretário, quando muito. É um período fértil para se conquistar apoios nas futuras eleições legislativas.
Alcançaram o macete? Fácil explicar.
O orador em causa relembra a morte do doutor “fulano de tal”, insigne patriarca da família “não sei das quantas”, honrada estirpe do agreste brasileiro. Após o necrológio, solicita conste dos anais “voto de profundo pesar” pelo ocorrido. Através do artifício regimental surgem no horizonte gratidões de dezenas de parentes do falecido. O azar é “colega”, que disputa votos na mesma área, pedir licença para subscrever o dito cujo requerimento. A iniciativa perde metade do efeito eleitoral.
O próximo inscrito, então, lê noticiário sobre a coleta de lixo no município “Janjão sem braço” conforme matéria do semanário “gazeta das gamboas” – grande órgão da imprensa pátria. Postula transcrição da reportagem na Ata da sessão e aguarda repercussões de sua luta em defesa dos interesses do município que representa “com ardor vigilante”.
Aniversário de Cidade, alusão ao esforço desprendido pelo conjunto de professoras de “Grupo Escolar Beltrano da Silva”, referência às iniciativas pastorais do bispo “Dom Magano”, coisas do gênero, também proporcionam rendimentos de urna.
Brilham, entretanto, autores de projetos. Aparece cada um!
O “representante do povo” não se aflige, nem se perturba, com o besteirol que patrocina. Problema das Comissões e do Plenário. A barbaridade objetiva, apenas, mostrar serviço aos “companheiros de campanha”. Haja coração.
O soar das campainhas anunciam o começo do “Grande Expediente”, ou seja, o debate que antecede votações e demais babados constantes na “Ordem do Dia.” O “baixo clero” desaparece.
Não é uma fuga como se imagina. A “galera sem comando e sem reverências” dirige-se ao fundo do salão. Senta-se quase anonimamente. Fica à espreita de ofertas da direção para manter-se fiel às decisões partidárias. Não raro, fatura algum.
Talvez, um cargo para o sobrinho recém casado, a nomeação do atual genro para emprego de boa remuneração, a liberação da verba para a ponte que nunca será construída, promessa a ser honrada.
Correm meses, anos, a legislatura, chega o pleito seguinte e se existem mudanças, acontecem noutros setores. O clero sem voz e liderança retorna ileso por graça e benção das manifestações de mínimo significado político.  
Por um triz perco a oportunidade de escrever. De uns tempos a esta da parte, a TV tornou-se peça decisiva para a sobrevida parlamentar. A malandragem consiste em desfilar – tal mariposa virando bolsinha na noite – pela escadaria que dá acesso às tribunas. Sujeito (a) vai, volta, retorna sem rumo ou destino. Todavia, sua estampa está na mídia. Eta nóis!
 O cara-de-pau, firme no sobe desce, amanhã tem mais.
 Na sexta, ligeira palavrinha para “comunicação inadiável” certamente ligada às ”bodas de prata” de determinado compadre e asas para que te quero!
 Avião por conta da verba de representação, fim de semana com a clientela. Somente na terça, batente de novo. Ninguém é de ferro.
Há décadas observo pilantragens de igual natureza. Ultrapassada a impressão de ter avistado tudo, aparecem novidades. A criatividade integra a índole eleitoreira dessa malta de desocupados da Pátria, mãe gentil.
Reparem nas comemorações que floresceram na picardia legislativa.
Dia dos Idosos, da Mulher, do Consumidor, Internacional Contra a Discriminação Racial, da Saúde, da Conservação do Solo, do Índio, da Raça, dos Namorados, das Mães, dos Pais, do Vovô, da Vovó, da Revolução Constitucionalista, do Amigo, do Agricultor, do Folclore, do Médico, do Engenheiro, do Advogado, do Veterinário, da Árvore, da Natureza, do Deficiente Físico, do Maçom, da Criança, da Pecuária, do Professor, do Funcionário Público, da Terceira Idade, dos Santos, dos Mortos, da Consciência Negra, da Luta contra AIDS, da Família, do Padre...
Não falamos em Ano Novo, Natal, Trabalho, Semana Santa, Carnaval, Independência, República, Festas Juninas, Feriados tradicionais etc. etc. etc.
Benito di Paula tinha razão - “tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus...
Alguém aventou a hipótese de se criar o “Dia da Outra”. Petardo prá mais de cem mil votos, dependendo da Unidade Federativa.
Confrade Cunegundes repicou:
- Bobagem. Se aprovarem o projeto, a Presidente veta. Retorna ao Congresso... Rebu formado.
- Não percebo...
- Simples Praiano. Na data festiva o “mantenedor da filial”, se inventar viagem ou algo semelhante a fim de deliciar-se nos braços da regra três, passará recibo de pula cerca fixa perante a dona do martelo. Caso não compareça ao Apê da teúda e manteúda, demonstrará covardia e mau caratismo. Lascado por ter, lascado por não assumir.
- Sendo assim...
- Os sujeitos assaltam o Tesouro, mas não são burros.
 Lembra do “calouro” apresentando-se ao Dr. Ulysses? Que ouviu do velho?
- Meu filho o Congresso é um arco-íris. Nos corredores circulam sujeitos que nada fazem e indivíduos capazes de tudo fazer. Atendem aos mais diversos apetites. Aqui você encontrará ladrão, cabra valente, cidadão honesto, parlamentar pobre, rico, analfabeto, homem de letras, gente confiável, canalha, veado, proxeneta, contrabandista, até santo. No Parlamento inexiste uma figura – a do Burro!  Esse morreu na praia. Ficou na suplência!
Cuna completou o raciocínio:
- O “Dia da Outraé ilusão barata. Não entra no cérebro de nenhum deles. Armar “confusa” com amigos? Nem pensar. Aquilo é um clube social.
A propósito camaradinha - pede “outra” dose do mesmo. Vamos ao “cachorro engarrafado”. A noite abrilhanta este mundo, imundo. Sorria !

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

BRASIL, BRASILEIRO...


Pode-se viajar por todo um país em diversas ocasiões. Desconhecendo-se a alma de seu povo é como nunca se tivesse ali pisado.

            Assim digo compadre, bons tempos aqueles... Lembra-se das histórias contadas por nossos avôs, quando embrenhados no sertão a fim de arrebanhar terra, gado e riqueza? Mesmo acusados de morte, saques, sevícias e vilania foram homens de extrema coragem. Ajudaram a construir cidades, preservaram patrimônio obtido na raça ou no tiro e ainda se deram ao luxo de consolidar liderança política temida e respeitada. Com justa razão tornaram-se coronéis sem farda, quepe ou japona, salvo serviço de integração nacional, necessário reconhecer. Não fossem bravuras e descomedimentos, acrescente-se a maluquice do Juscelino, talvez este país ainda estivesse a ver navios, olhos voltados para o mar.
            - Não tenho dúvidas. O Brasil continente foi edificado no desejo de progressão individual. Por conseqüência, a coletividade dele se beneficiou. O problema de Brasília é distinto - JK aliou a doidice com a visão de estadista.
- É verdade. Era menino e por ser apenas criança me deixavam permanecer na sala de visita onde, à noite, os adultos se reuniam para tratar de assuntos de interesse comunitário, conforme diziam. Mas eu compreendia tudo quanto falavam. Poderia resumir numa palavra – politicagem. Assim cresci aprendendo como servir o povo sem prejudicar a conveniência pessoal. 
- Compadre; ontem recordei de uma legal. Sabe a diferença entre o paulista, o carioca e o mineiro?
- Huuum...
- Todos eles têm encontro marcado com a gente. O paulista, ao chegar, confere as horas. Desculpa-se pela meia-hora de atraso e diz aflito: foi o trânsito! O carioca, na malemolência praiana, surge muito depois do aprazado e explica: confundi-me. O compromisso era de manhã? Não fosse o qüiproquó tinha vindo cedo. Perdi tempo galinhando na praia. Mil perdões. O mineiro não aparece. Passa semana, cruza com você na rua e com singela simpatia, abraça e justifica a ausência. Estou em falta, sei disso. No máximo na próxima quinzena almoçaremos lá em casa. Telefono confirmando. Fica tranqüilo, acertaremos os ponteiros no particular!
- Boa. Seu pai contava uma ótima. Dois ladrões de gado, um deles paulista, outro mineiro, conheceram-se numa rodoviária do interior, fizeram sociedade. Combinados na forma de repartir lucros saíram a trabalho pelos campos. Em determinada ocasião, do alto de uma montanha, avistaram pradaria imensa. Naqueles pastos, centenas de reses. O paulista entusiasmou-se. Vamos descer depressa e roubar no mínimo trinta vacas. O mineiro, cauteloso, apenas recomendou ao comparsa - espera anoitecer. Então descemos e no silêncio, roubamos o rebanho!
            - Papo cabeça é jóia. Falando em jóia compadre, eleição de novo. Democracia é coisa fina; quando pensamos não prestar para nada, ela mostra valor e alimenta conversa de praça. Grande invenção! Serve para descobrir o que pensa nosso vizinho, a turma do bairro e de modo especial, a maioria do povão... O dia do voto é o único dia em que o canhão vale a mesma coisa que o caderno escolar!
            - E homens e mulheres se igualam na realidade. Saia, calça, dinheiro e pobreza, tudo equivalente!
            - O próximo pleito mexe pouco com a galera verde amarela. Agora é litígio tapa-buraco, exceto nas metrópoles. O negócio grande é mais a frente. A movimentação sucessória do maioral começou. Nunca dantes se conversou tanto, entre paredes, sobre alianças, compromissos mútuos, noivado e matrimônio.
                                                                       ***
            Cortando a conversa: um primeiro elefante passa voando baixo, logo acima da cabeça dos interlocutores. Coisa estranha demais para a compreensão humana.
                                                                       ***
            - Você viu? Deve ser ilusão. Alefante não avua!
            - Quem afirmou tal barbaridade? Na prática a teoria é outra. Claro que elefante voa. Basta calibrar o bater de orelhas. Repara só a leveza dos que vêm atrás, conduzindo passageiros nas costas. Bonito além da conta, sô!
- Contando a realidade, quantos acreditarão? Vamos continuar quietos até segunda ordem.
            - Compadre; fomos os pioneiros nesta observação?
            - Se pioneiros, não atesto. Entretanto, vou confirmar. Eles voavam seguindo rota planejada. Todos em fila. Cada um deles com sua picardia, mantendo personalidade.
            - Putz grila, meu! Estão voando para destino único. Deixa pensar – ali o norte, lado oposto o sul, nascente leste, crepúsculo oeste.
            - Você está refletindo como estou ajuizando?
            - Tradução, compadre, tradução! Nesta dancei...
            - Elementar, meu caro. Querem achar ninho aconchegante para pousar. O retiro situa-se aonde? No coração das Gerais. Recepcionados com modéstia e prudência dirigem-se ao cafezinho com pão de queijo, sala e mesa palaciana honrada com a presença dos ilustres visitantes. Gastam a tarde em cochichos.
- Imagino as manchetes: BELÔ, ABRIGO SEGURO PARA ELEFANTES VOADORES.  Morou no lance?
 Política é nuvem que se altera com a força do vento. Quem viver verá!
O cronista, porém, ao contrário de muitos, sempre respeitou o trabalho dos bruxos, feiticeiros e dos mestres tecelões...
            

terça-feira, 2 de agosto de 2011

S A N T O S

                                                                 I

                                   EIS, AQUI, NOSSA CIDADE,
                                   TERRA DE AMOR E PAIXÃO.
                                   AI, MEU DEUS, QUANTA SAUDADE
                                   AQUECE O MEU CORAÇÃO.


                                   UM SONHAR EM CADA ESQUINA,
                                   MAR, LUAR, A VELHA PRAÇA,
                                   S A N T O S – ETERNA MENINA,
                                   RISO FRANCO, UMA GRAÇA!


                                   TENHAM, POIS, ESTAS IMAGENS,
                                   UM SENTIDO MAIS PROFUNDO,
                                   NÃO IMPORTAM MIL VIAGENS,
                                   NADA IGUAL EM TODO O MUNDO!


                                                                       II

                                   OFEREÇO COM ESTIMA,
                                   DEDICO COM AFEIÇÃO,
                                   SIMPLES VERSO, CUJA RIMA,
                                   MARULHA NO CORAÇÃO!

                                   É SUSSURRO MAR E TERRA,
                                   LEMBRANÇAS DA MOCIDADE,
                                   ECO RESPONSO NA SERRA,
                                   MULTIPLICANDO A SAUDADE!

                                   UM ECO QUE PERSEVERA,
                                   NO CORAÇÃO PEREGRINO,
                                    COM AMIZADE SINCERA
                                               Carlos Alberto Aulicino!


O HOMEM DO ESPELHO

Intrigante o diálogo entre mim e aquele homem do espelho. Nossos rostos eram idênticos, os trejeitos iguais, simultâneos. Pensei tratar-se de indivíduo vinculado à arte cênica, quando explicaram ser, apenas, minha imagem refletida. Permaneceu o ceticismo. Seria mesmo?
 Somente mais tarde resolvi dirimir a dúvida infantil.
 Existe algo melhor que conferir idéias? Perguntar ofende? Respostas, às vezes, se tornam inoportunas ou indiscretas Fortalecendo coragem, iniciei conversa programada no subconsciente.
- Afinal, que és?
- Simples pedaço de vidro, sobreposto a uma aplicação de cloreto de estanho e pinceladas de prata.
- Excelente subterfúgio. Reduziste tudo a respeito de coisa alguma.
- Agora, indago – pensaste no que realmente és? Afasta a interrogação nunca satisfeita pela humanidade – “como saber, quando nem consigo explicar de onde vim, nem para onde irei?”  
- Vício de retrucar. Deixa ver... Um Ser Humano comum, pleno de defeitos, desejoso de realizações terrenas, preocupado de quando em vez com assuntos transcendentais. Pouco mais, pouco menos, não recordo. Aliás, a morte não me assusta. Tampouco oferece alegria antecipada. O Homem não lamenta o que vive ou o que morre. Ele é para a morte desde o nascimento. Como encarar o além, assunto para nova conversa. Penaliza-me abstrações que nos reduzem a poeiras estelares sem responsabilidades cósmicas. Que dizes?
- Objetos não raciocinam. Escutam e silenciam. Apresentam-se aos olhos dos insensatos como entidades inanimadas. No máximo, servem para atiçar o intelecto de as criaturas. Por esse motivo, insisto. Faça um exame existencial – como enxergas o teu interior? Sou tua efígie, não teu ego! Através dele obterás respostas a propósito de tuas curiosidades, inquietações, desassossegos, sonhos, atitudes... Em alguma ocasião meditastes acerca de segredos arquivados nos túmulos de um cemitério? Todos escondem histórias. A maioria, fascinantes. Enigmas de jornadas inconclusas. A vida é contrato de risco. Fracassar, perder, ser vaiado, faz parte das cláusulas. Quem se aprisiona num casulo com pavor de enfrentar perigos, corre risco mais grave. Enterrar a consciência. Fui claro?
- Olhar o superficial nos impede enxergar o que desejamos ver. É quanto queres transmitir?
- Chegaste ao essencial. Fugir da verdade será ingênuo. Inútil ludibriar quem descortina tua essência.
Modo geral as pessoas, cedo ou tarde, desmoronam. Não devem se apavorar diante de catástrofes. Por que assustar quando se deparam com a obrigação de soterrar suas sementes? O grande obséquio a fazer a uma semente é sepultá-la. Somente assim surgirá uma nova planta. No recomeço da luta, os cidadãos readquirem a autoestima... A seguir, segurança. É quanto interessa. Acredito estarmos a atravessar os umbrais da filosofia. Não tinha intenção.
- Uma das formas mais terríveis de solidão é alimentar os monstros que se alojam em nossos cérebros. Ninguém é totalmente dispensável. Ninguém totalmente perfeito a ponto de servir de paradigma ao comportamento da sociedade. Todos carregam um fardo. Os fracos o rejeitam. Os fortes não se envergonham de mostrar fragilidade. Aceitam ajuda para completar tarefas. A humildade é virtude. O isolamento social, ruim. O isolamento em que se perde contato com o próprio espírito, porém, é terrível. As crises não afastam amigos, apenas os selecionam. Convém evitar decepções.
 - Depois de tudo, persistes em manter a figura de mero objeto sem poder de discernimento? Tu estimulas reflexões. Como esquivar-me?
- Foste tu a aproximar-se. Permaneço preso à parede, quieto no meu canto. Agora, pensa. Por acaso essas considerações não seriam unicamente tuas? Fui mero instigador. Há um fato a considerar. Os homens são mestres em fantasiar condutas. Enganam consciências, transferem culpas, tergiversam a respeito do óbvio ululante, fingindo nada distinguir. Agora, ao espelho, impossível tapear.
- Poderias bater mais leve. A forma de meu caminhar no mundo depende exclusivamente de mim? Não sou eu e as circunstâncias? Não nasci puro e a comunidade me corrompeu? Tornei-me o lobo de mim mesmo? Perduram mais coisas entre o céu e a terra superiores à minha competência de entender o Universo?
            - Desse modo afirmaste. .A Sabedoria dispensa cérebros infalíveis. Entretanto exige que as mentes reconheçam os limites da razão terrestre. A cada um conforme seu poder de compreensão. O resto é Amor. Amor Verdade, ainda não alcançado ou absorvido pelos mortais. Deus é carente de Amor. O Mandamento principal é uma súplica: Ame teu Criador, como Eu tenho amado as criaturas de todas as espécies. Acima de tudo e de todas as dificuldades Ame teu Pai. A seguir, o Próximo, que é teu Irmão! Não avalias meu sofrimento ao ver o mais querido de meus filhos na Cruz. Por Amor permiti se consumasse a Redenção. Não é hora de revelar a Verdade libertadora.
            - Por que demorei décadas sem ousar prosear contigo? Fizeste o papel de competente terapeuta. Objeto inanimado, pedaço de vidro... Pois sim !
            - Não me atribuas culpas. Até a decisão de mudar-me de lugar estás adiando outono após outono. És indeciso para adotar pequenas providências caseiras. Tudo quanto ascende, converge. Não desesperes, nem percas a esperança de perceber quão complexa construção de o Sistema programado pela Divindade. Gostei do diálogo. Amanhã recomeçamos?
            - Encontro marcado. O hábito de barbear-me toda manhã traz surpresas. Incrível como descobri tão perto amigo confidente, capaz de levar-me a ponderar sobre meu interior. Não contestes a assertiva. Os pensamentos se foram recíprocos. Conquistar amigos implica em encontrar enormes tesouros.
            - De minha parte, combinadíssimo. Todavia, um alerta. Detesto amizade furada.
- Inté. Promessa é dívida.