quinta-feira, 30 de junho de 2011

UM FAVOR POR GENTILEZA

                                               Se ao menos consentires,
                                               Minh´alma aflita pede teu perdão.
                                               E meu corpo consome-se em desejos
                                               Ao ver teus seios adormecerem arfantes!
                                              
                                               Quero compreender este mistério,
                                               Que me faz escravo,
                                               A implorar teus beijos.
                                              
                                               Soluçando,
                                               Dissimulo as lágrimas.
                                               Como se isto pudesse redimir-me
                                               Da mágoa que carrego,
                                               Ao recordar a ingratidão
                                               De magoar-te,
                                               Mesmo assim, por um dia !

                                               Não condenes,
                                               Sem conheceres meu penar.

                                               E quando
                                               No silêncio do teu quarto,
                                               Pensares neste pobre arrependido,
                                               Tem, por simples piedade,
                                               A certeza de meu Amor sentido! 

CERTA NOITE DE JUNHO

            Faz frio e a noite está alfinetada de estrelas. É sempre assim nesta época do ano. Pode-se notar no espaço infindo bilhões de pirilampos prateados. São mundos distantes, ainda inatingíveis.

             Muitos serão habitados por seres inteligentes.
 Quem viveria neles? Homens, mulheres, animais, tal como conhecemos? Abrigarão mares e rios, florestas e pássaros? Ou tudo será diferente, superior à nossa imaginação?
         A atmosfera terrena acolhe balões multicoloridos. São outros tantos astros, estes sim, artesanais, portadores de alegrias infantis e esperanças passageiras. Todos cairão a seguir, sem forças para permanecerem no espaço. Enquanto não descem, enfeitam nosso firmamento e amedrontam matas e metrópoles. Recebem nomes interessantes – balão almofada, charuto, pião... Muitos, formosos, carregam lanternas ou bilhetes de amor, aramados nas bocas fumegantes
É tempo de festa caipira nas montanhas sertanejas.
A cidade grande mal lhe percebe a boniteza. Nada se iguala ao arraial acolhendo a simplicidade de moçoilas dançantes com seus vestidos rendados, laços vermelhos à cintura e o musicar das sanfonas. Os homens agasalham-se como podem. São as desigualdades da vida, construída nas enganações da sorte e da fortuna.
As noites de junho são como as tardes de maio. Plácidas, serenas, tenras, envolventes, portadoras de paz e de felicidade aos corações singelos.
É neste ambiente de nostalgias e de saudade não dominadas, que se realizam as festas dos Santos maiores – Antonio, casamenteiro. João, o bem amado. Pedro, sentinela do reino, pescador de almas. Cada qual tem seus adeptos, cada qual a devida homenagem.
O cronista prefere a festa de São João.
Não sei o motivo da preferência. Talvez pela figura do Santo. Rubicunda. Cabelos encaracolados. O branco e lanhado cordeiro nos braços.
Gosto mesmo é dos foguetes de lágrimas, do pipocar dos rojões, das batatas roxas assadas na brasa, do quentão de boa cachaça recendente a gengibre e canela, das flores que alegram os cabelos sedosos das donzelas casadoiras, do mastro de pau-de-sebo, das bandeirolas ao vento, do bailado das quadrilhas, dos doces de abóbora, dos pés-de-moleque, do cheiro da carne a tostar nas grelhas da fogueira construída com maestria por quem, num átimo de coragem, pretende saltar sobre suas chamas.
Tenho um xodó especial pelo dedilhar de violas dolentes e os cantares afinados dos seresteiros com sotaque interiorano.
Existe no mundo algo semelhante?
            Cultivo a impressão de estar na ante-sala onde residem arcanjos e querubins.
Tudo é maravilhosamente modesto, isto é, tão bom!
            Nos festejos juninos reencontro a infância perdida vida afora.
Ao saborear uma cocada-de-fita recordo da velha Ambrósia, cozinheira; em cada paçoca a presença de Idalina, briosa portuguesa que deixava às escondidas, num canto da sala de almoço, mil guloseimas para o menino não dormir sem matar desejos de criança.
            Em breve será Noite de São João.
Uma noite comprida, repleta de estrelas.
Terminará ao nascer da aurora. Enquanto sol não brilhar haverá pinhões e pipocas. Milho torrado. Biscoitos de polvilho azedo. Broinhas de fubá. Compoteiras cheias de doces e geléias. Gulosas tentações.
           Seguindo o casal, dezenas de pares acompanharão as figuras do pároco e do delegado.
           Vai-se arrastar o ao som de sanfonas gementes. O moço beijará a menina com aroma de  flor-do-campo, perfume de mulher. O velho pulará a labareda, em fase de extinção, pensando na juventude. O coreto da Praça, todo iluminado, abrigará o grupo musical executando, com esmero, valsinhas brasileiras. O cortejo sairá da igreja improvisada com o noivo de botinas e chapéu de palha, pito acesso junto à boca de poucos dentes, manquitolando em companhia da noiva, lábios de carmim.
O arraial vibrará de alegria. O busca-pé assustará as vetustas salientes.
algum recanto do céu, a esta altura São Janjão, pedirá aos serafins, que silenciem as trombetas para melhor ouvir o alarido na festança de seus devotos...

sábado, 25 de junho de 2011

YEMANJÁ

                                   Mansa e tranquila,
                                   No vai-e-vem da maré,
                                   A placidez das ondas deposita
                                   Nas areias da praia,
                                   Ramagens e flores de oferendas,
                                   Vindas de plagas distantes,
                                   Esquecidas.




                                   Misterioso gesto
                                   De ternura e humildade
                                   Da grande deusa
                                   Do verde-mar
                                   Sereno.



                                   Formosa maneira de beijar o chão,
                                   Onde também restaram –
                                   Esquecidos –
                                   Na manhã nascente,
                                   As marcas dos pés andantes
                                   Da moça beleza,
                                   Cheirosa, morena,
                                   Túrgida de mil desejos,
                                   Plena de Vida e Amor!

A JORNADA DAS IDÉIAS

            Pior do que não ter idéias é mantê-las estagnadas.
Horroriza a inteligência de qualquer mortal o fato de precisar conviver com indivíduos de pensamento único. A imobilidade cerebral liga-se à preguiça de raciocínio e à necessidade psicológica de o inerte projetar imagem de ser uma pessoa coerente.
Existem sujeitos que atravessam décadas falando as mesmas coisas, repetindo os mesmos chavões, utilizando lições aprendidas através da leitura de alfarrábios pertencentes aos antepassados de saudosa memória.
Não conseguem enxergar quanto o mundo caminha, a ciência progride, a sociedade se transforma.
São pobres diabos a serviço da inutilidade político-social.
A triste realidade é que perambulam por toda parte e se reproduzem de maneira assustadora.
Quem disse indispensável sair procurando tipos assim, quando eles infestam a vizinhança?
È o professor que reprisa preleções, ano letivo acaba, novo principia. O médico avesso ao estudo, insistindo em prescrever remédios há muito condenados pela modernidade terapêutica. O bacharel descuidado quanto à reforma de leis, mudanças na jurisprudência, evolução doutrinárias. O Administrador de Empresa teimoso em perpetuar a forma de relacionar-se com os companheiros de trabalho até dar com os burros n água. O historiador desatento às descobertas arqueológicas e ao conteúdo de documentos mal pesquisados, cujos textos foram distorcidos por interesse de poderosos de toda ordem e grandeza. Imagino-me contando aos netos a viagem de Cabral tal como aprendi na infância. Cairão na gargalhada.
 Mudar de idéia nunca me pareceu incoerência.
 Sempre achei virtude abandonar conceitos ou pontos de vista, tão logo se perceba existam outros melhores. Aceito a substituição de convicções religiosas caso a nova crença venha a sublimar estruturas espirituais que possibilitem maior aproximação com as eternas fontes do Amor divino.
 “Ser no mundo implica transcender ao mundo”.
 Determina a qualidade de caráter do Ser Humano sua fidelidade a princípio que lhe seja caro, desprezadas conveniências de ocasião.
 O político que teima em sustentar posições unicamente para obter proveito eleitoral é indigno de consideração e respeito. Admira-se, porém, quem abandona um partido ou associação por discordância moral ou ideológica. É enorme a diferença entre as opções em causa.
A humanidade condena a perfídia dos abjetos.
Todavia, conhece o momento exato de engrandecer a coragem do cidadão capaz de assumir aparente incoerência em nome da coerência de fundamentos que lhe valorizam a honra e o exercício da própria liberdade.
A existência terrena, em si, é de uma inconstância atroz, peculiarmente dinâmica.
A racionalidade é pedra bruta a ser lapidada com pudor. Jamais por impulsos de emoções passageiras
Há um verso bonito na literatura hindu – “o verdadeiro sábio não lamenta nem a Vida nem a Morte”.
A marcha do pensamento não se caracteriza pela velocidade uniforme. Possui nuanças prontas a adaptar-se às imposições conjunturais.
Importa não perder o trem da História. Agrava a situação permanecer sentado num banco qualquer à espera da passagem prometida pelos saudosistas da Maria Fumaça. A Terra se defronta com novidades ao término de cada rotação.
Evite fossilizar-se.
            Urubu não costuma beliscar ossada sem carniça esquecida em beira de estrada.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

O VENTO MAR

                                               Diante do mar gigante,
                                               Procuro falar ao vento.
                                               Mas o vento não responde,
                                               Simplesmente, assovia.


                                                           Conservo sabor do sal,
                                                           Das águas chega o murmúrio,
                                                           Sai de mim velha Saudade,
                                                           Das sombras do meu passado...


                                                                       Tampouco o cair da chuva,
                                                                       Acostumado às areias,
                                                                       Barqueiro de pescarias,
                                                                       Consegue parar o ritmo,
                                                                       Da canoa navegante.

                                   No morro da Virgem,
Semelhantes ao tilintar ritmado
De espadas guerreiras,
Repicam os sinos da prece.

                                                           Não sou mais eu a viver
                                                           Nas brumas brancas da Paz.


                                                           Desce a tarde mansamente.
                                                           Brilha no céu uma estrela.
                                                                       Anoitece.
                                                           Que resta, senão sonhar?


CONQUISTAR AMIGO É ELEGER SEM FRAUDES

          Existem gestos e frases que marcam para todo sempre seu autor. São frases e atitudes que, via de regra, caracterizam um período histórico e a situação existente na sociedade quando manifestados. Os exemplos se multiplicam numa velocidade superior à condição intelectual humana de armazená-los como se fossem pendrives capazes de abrigar grandes bibliotecas.
 Não me refiro às asneiras. Estas desaparecem entre cínicos aplausos e sinceras gargalhadas. Em pouco tempo ninguém se recorda da estultice, vai para o lixo da memória. Aliás, o homem, ao descobrir ser possuidor de utilíssima lixeira cerebral instalou o artefato no computador. Basta simples teclar para tudo diluir no entulho cibernético. Nada recorda nada. A glória do mundo é transitória. Rei morto, rei posto!
Refiro-me às proposições que nos fazem refletir e sobre as quais devotamos admiração para o sentido e os desdobramentos da ousadia.
Luiz XIV, o Rei Sol, proclamou aos súditos - “O Estado sou Eu.” Jamais imaginou que o neto seria caridosamente decapitado pelo terror revolucionário francês. Maria Antonieta, intrigada com a falta de pão sugeriu ao povo comer biscoitos (brioches) para saciar a fome das ruas. Tivesse sorte, escaparia da guilhotina, caso não fosse reconhecida na fronteira pelo sotaque austríaco e o odor de seu perfume predileto.
Julio Cesar ultrapassa o Rubicão, conquista a Gália, grita aos romanos – “vim, vi, venci”. Mais tarde, na porta do Senado, ao receber a derradeira facada traiçoeira, volta-se para os sicários, encara o filho predileto, balbucia – “até tu, Brutus”?   E Brutus era um homem honrado.
Hitler anunciou a instauração do III Reich para durar mil anos. No curto espaço de 12 anos, assume a chancelaria alemã, leva o mundo à guerra e suicida-se em Berlin ao lado de Eva, a amante. Alguém fez esta conta?
Jesus exclama em desespero - “meu Pai, por que me abandonaste”?  Ironicamente, o cristianismo floresce um pouco por toda parte, modo especial em Roma, sede de o maior e mais poderoso império de todos os tempos, cujo representante na Palestina determinou seu sacrifício.
Lincoln, no Cemitério de Gettysburg, solicitou que nunca ofuscassem da face da terra “o governo do Povo, pelo Povo, para o Povo.” Em breves palavras definiu o valor da moderna democracia. Booth, quem disparou o tiro fatal contra o grande líder verificou que sua insensatez fora “inútil, inútil...”
Churchill prometeu aos ingleses “sangue, trabalho, suor e lágrimas”. Bebia, fumava, era mulherengo, distraia-se pintando quadros. Exerceu inigualável poder de liderança. Falou de fé aos desesperados, de porto aos náufragos, de esperança aos que fraquejavam, de reconstrução às ruínas. Colocou coragem a serviço da Liberdade e conduziu esta à Vitória contra a tirania nazista!
Gandhi empregando a força da consciência civil resistente, pacifista, demonstrou aos colonizadores da Índia, que chegara à hora de se presenciar o nascimento de um país capaz de governar-se com leis, costumes e tradições intransferíveis. A humildade derrotou a soberba de os poderosos. 
 Mandela atormentou-se nas prisões da África do Sul. Germinou na cadeia o surgimento de um Estado onde seus irmãos pudessem viver com direitos de cidadania. Deus concedeu-lhe a graça de assistir seu povo bailar a dança da igualdade racial. Igual sorte não teve o pastor Luther King. Também teve “um sonho.” O brado de I Have a Dream soou por todos os rincões da América. Assassino e assassinado não puderam comparecer à cerimônia de posse de um negro na Presidência dos Estados Unidos. Contudo, muito antes, consagrara-se o princípio do Direito de todos perante a Lei, excluída qualquer discriminação étnica, religiosa ou que mais o seja.
Os mártires de nobres ideais sobrevivem morrendo. Os carrascos falecem no momento de executá-los.
Assim como não desejo ser escravo, não almejo o senhorio. Quero a vida, sim. Entretanto, sem respeito e dignidade melhor perdê-la, a prolongá-la.
Amarrado à fogueira da inquisição, o filósofo Giordano Bruno encarou os carrascos e lhes assegurou – “maior do que o medo que tenho de vós é o pavor que tendes de mim”.
Eu gostaria de morrer doutra maneira; sem fadiga, sem dor, assim como caí uma estrela, como expira um som, como morre um raio de luz em águas claras, quando surge a madrugada.
 Verde que te quiero verde – Encostado a uma parede, em Granada, Garcia Lorca recebeu no peito a bala que destruiu seu amor à poesia.
Por capricho da natureza não comandamos nosso amanhã. Resta sonhar.
Existem os frustrados. Sujeito é lúcido, admirado por seus pares, julga pronunciar-se de modo a ser ouvido pela posteridade, atola-se num lamaçal.
Vamos à Pátria, Mãe Gentil. Na Constituinte de 1824, José Bonifácio, o Patriarca, defendeu a necessidade de o país promover a Reforma Agrária. Até hoje... Um porta-voz da Presidência - há pouco - compareceu à TV, mandou brasa:- “o chefe está plenamente informado de tudo. Isto não significa que esteja acontecendo alguma coisa”. O tartamudo Inocêncio foi mais claro – “os cargos são finitos, mas a vontade de ocupá-los é infinita. Assim não dá”. Razão assistia ao Sergio Porto, o inesquecível Stanislaw – “ou todos se locupletam ou que se restabeleça a moralidade”.
Henry Kissinger, no auge de as andanças diplomáticas teve noite de desabafo – “na próxima semana não pode haver nenhuma crise no mundo. Minha agenda está lotada”.
A gente conferia idéias a respeito durante o trajeto entre o jornal e o bar.
Nenhuma surpresa o tilintar do celular. Era o próprio.
- Sim, Cuna, que houve? Mal acabei de escrever. Não vem? Não pode? Qual dificuldade?
- Praiano. Relaxa e goza. Problema sério. Merece manchete. Aredação” continua de ressaca!
- Preocupa, não, camaradinha. Gravidez passageira. Rei na barriga. Toma um Engov, soluciona.                                                               Em hora e meia estará pronto para outra.
A vida tem aspectos positivos. Serve para encerrar uma crônica e recordar que conservar amigos é como eleição sem fraudes. Raríssimo acontecer.

domingo, 12 de junho de 2011

CONFITEOR

                                               O insulto final se aproxima.
                                               Quando? – Ninguém desconfia.
                                               Coisas do meu silêncio.

                                               Acontecerá em noite
                                               de agitação por uivos lancinantes
                                               ou durante vigília de lágrimas furtivas
                                               e soluços verdadeiros?

                                               Alguém adivinha?
                                               Tampouco, eu !

                                               No momento extremo,
                                               Vencerá a gargalhada sinistra,
                                               silentes remorsos inconfessos?

                                               Ninguém decifra.
                                               Nem eu!

                                               Afinal, qual foi minha realidade?
                                               Prisioneiro consentido?
                                               Albatroz acorrentado?

                                               Importa quanto chorei?

                                               Muitos tentaram definir-me.
                                               Quase todos – exceto eu !

                                               Neste ocaso da vida sem rancores,
                                               Onde houver um coração vazio,
                                               Fiquem simples despedidas.

                                               Afora o medíocre caminhar,
                                               Pouco da estrada recolhi, salvo tristezas.
                                               Um único culpado – Eu !

AMOR AO PARNASO

Gostaria de seguir os passos de os poetas para viver no mundo do Parnaso, envolto em ritmos e rimas que somente eles conseguem combinar, numa simbiose de ternuras e de encantamentos.
Entretanto, não alcanço poetizar e isto me deixa acabrunhado e triste. Muito triste.
Tentar, sim, intentei -  na mocidade.
Houve mesmo quem apreciasse os sonetos e me incentivasse a continuar na lide. Inútil estímulo. Em determinada tarde, rasguei grande parte daqueles míseros rabiscos. Alguma coisa, sobrou.  Escondi dentro de um velho baú, sem nunca verificar se realmente eram poemas maus ou ruins.
Diga-me, porém, velho bardocomo trovar?
Conta-me o segredo. Ensina-me a nobre arte de compor versos semelhantes aos que leio na calada da noite, sentado na cadeira de balanço, longe do barulho da praça, entre lições e ensinamentos saídos das páginas de uns tantos alfarrábios, que transportam, ao presente, imensa saudade de um passado distante e feliz.
Livros, papéis, miudezas e cacarecos  permanecem num cantinho da casa, espécie de museu-fantasma.
 Reúne muita coisa antiga, nada de interesse coletivo. Talvez, nem mesmo para a família, depois de meu enterro. No máximo discutirão sobre a melhor maneira de aproveitar o local...
 Ali também reside, impávida, sem perceber o final de seu reinado, a  máquina de escrever Lettera 22 , para quem o laptop, os computadores, a centena de disquetes e outros apetrechos  modernos não passam de vassalos.
 O tempo não lhe modificou a pose imperial, sequer a  fisionomia, o ar de cumplicidade, parceira de lutas inglórias. Encara-me como se dominasse o cenário e assim se comportando, reaviva, em mim,  idéias e produções de outrora...
Humilde, imploro conselhos .
Poetas e trovadores, digam-me - como versejar?
Desejo ardentemente ouvir as vozes da inspiração.
Contudo, advirto – perambulei pelas ruas. Troquei palavras de doçura com estranhas criaturas nos escaninhos da terra. Percorri areais imensos, montanhas e pélagos profundos, desertos e planícies. Caminhei sobre pedras à procura de harmônicas expressões capazes de atender aos apelos da lira, comigo maldosa, silente. Nada consegui.
Faltam-me predicados.
Daí o estranho sentimento que corrói a alma. Fere o coração. Machuca o espírito. Provoca desânimos difíceis de agüentar, sem fugas ou correrias.
Consciente da mediocridade, da carência de privilégios, conforta-me a convicção de amar a poesia,  jovem catita, moça carinho, formosa  donzela, lábios de carmim, oferenda sedutora. Cândida presença, que nas horas de meiguice permuta, com seu amásio, afagos casadoiros.
Perversa, recusa ao convite para subir comigo até o Santuário, onde nos aguarda o pároco disposto a abençoar nossas juras e celebrar o matrimônio.
Desalmada, nega-se ao ato nupcial.
Recordo – como esquecer? – daquela manhã molhada de chuva, quando, de mãos entrelaçadas, cruzamos olhares ainda aguados de mar. Surgia, no firmamento, um enorme arco-íris.
Imaginando conquistar seu coração, desenhei sobre o solo umedecido:

Havia barcas no rio,
Havia barcas no mar,
E todas as barcas do rio,
Também aquelas do mar,
Lembravam noivas sorrindo,
Sorrindo para o luar!
                                                           ********
Espero, com paciência. Nalgum momento, a graça do lirismo  compreenderá minhas  lamúrias e cederá aos apelos de paixão.
Custa-me aceitar tormentos  eternos.
Todavia, desde agora, meu destino poderia ser melhorter o sol mais aberto em cada mão!