terça-feira, 11 de outubro de 2011

A CONFRARIA


Para toda a Escola, “seo” Chico. Chico Poeira, Chico Quebra Galho.
Única certeza: trabalhou na biblioteca durante quatro décadas sem registrar ausências. Serviu a milhares de criaturas. Difícil nomear quem não lhe ficou devendo favores, sorrisos, gentilezas, uma cumplicidade qualquer. Até livros deixou escapar das prateleiras anotando, em diário pessoal, data da retirada do volume entregue à sua guarda e proteção. Antes do encerramento do semestre saía atrás do referido, implorando devolução. Se nunca traiu, jamais o traíram. Era de gosto registrar a grandeza duma convivência fraterna entre bedel e favorecidos, a maioria necessitada de ajuda por falta de condições para adquirir obras necessárias à formação universitária.
            Lembro-me da silhueta do sujeito gorducho, pouco ligado aos costumes de banho diário, porém atento a deveres de amizade, nunca desmerecidos.
Comovente a cerimônia de sua aposentadoria compulsória. O cidadão de menor gabarito a abraçar o funcionário Francisco Arcanjo Pimenta, ninguém menos que o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado cercado de desembargadores, advogados, promotores, juízes, serventuários, corte de eminentes jurisconsultos. Registre-se a presença de ministros desembarcados de Brasília e outros bichos domésticos. Dispenso mencionar a canalha aboletada, por antecipação, no espaço reservado à festança etílica carnavalesca que atravessou noite entre cantares de causar inveja a incautos nas artes da Ciência do Direito quando enaltecidas em ocasiões de reencontros memoráveis.
 O jubilado fingiu abrir sucessão para imberbe aprendiz.                             
 Passado o período de conveniente resguardo, fácil encontrar o velho Chico nos vestíbulos de leitura, envolto em sua bibliomania. O recém contratado funcionário, apesar de boa reputação, se tornara singelo auxiliar de quem lhe impedia exercer qualquer função de utilidade prática. Na verdade, tirante a condescendência de deixá-lo subir e descer escadas para apanhar volumes requisitados pela galera, sua presença no recinto era dispensável. Chico Poeira, como a maioria dos homens, teimou em ignorar a hora conveniente de parar...
Mal percebeu a inexorável fase da decadência física, dos primeiros achaques de neurastenia, da implicância com tudo quando observava em volta.
 O sistema de computadores pegou-o desprevenido. A forma de lidar com todo aquele maquinário se encontrava acima deu sua capacidade para entender a modernidade adotada, de plano, por alunos e professores. Papéis e cadernos, tanto como ele próprio, transformavam-se em peças de museu. Até as Remington da secretaria foram para o lixão, aonde se acumulavam ratos, baratas, quinquilharias. Por falta de andanças e exercícios foi perdendo a flexibilidade de movimentos. Ato contínuo, lastimável melancolia lhe ofendeu o espírito. Nessa circunstância, os homens ignoram quanto deixaram de representar no contexto social. Vivem na ilusão de ainda representar figura importante na coletividade. Situação triste, não insólita, seguramente repetitiva, real. As glórias da terra são transitórias. Não assentam domicílio.
 Chico acompanhou a regra. Desde a solenidade da aposentadoria, que restou? Um idoso engolido pela tecnologia e pelo desprezo de geração disposta a ignorá-lo por completo. Transfigurara-se num espantalho, cujo labor resumia-se em afugentar moscas.
Sorte o convite para trabalhar num Sebo instalado nas imediações do instituto de ensino, receptáculo de sonhos e amores. Ali, entre alfarrábios jurídicos e produções literárias de mal recordados autores, imaginou-se ressurreto. A idade, porém, não lhe abriu exceção.
Nascer, aproveitar a presença neste planeta, morrer... É o drama da humanidade, problema nunca solucionado, apesar de muito pensarmos a respeito.
Como nos definir, qual o sentido de nossa origem, para onde caminharemos por imposição da Lei Cósmica, imutável? É fogo!
 Melhor seguir instruções do sambista - deixar a vida nos levar. Afinal, sequer conseguimos conduzir a canoa em que embarcamos. Torna-se de mínimo interesse saber se o Universo surgiu através de estouro programado ou apenas recomeçou o ciclo expande, contrai. Aliás, dedução a ser considerada.
Quero é cuidar das coisas que me dizem respeito. Ao monturo  fórmulas complexas na explicação, difíceis de absorver.    
Incrível a capacidade de a velhice atrair velhices.
Desse modo, nos fundos da lojinha de compra, venda ou permuta de Obras preciosas, constituiu-se a Confraria, que reunia em pachorrentos crepúsculos de prosa e digressões acadêmicas, o quanto sobrara da época em que livros ofereciam satisfação a seus aficionados. Hoje, dizem, estão prestes a desaparecer entre as brumas da saudade.
 Nenhuma crítica à juventude escrava da cibernética. Suficientes dois toques nas teclas de um notebook, acrescidos de leve contato no botão “imprimir”, o trabalho pedido pode ser entregue aos mestres. Um catedrático confessou-me haver recebido 17 monografias absolutamente iguais no final do último ano letivo.
Ah, sim... Procedeu-se a escolha do nome Irmandade através de sufrágio secreto. Única dúvida. Decifrar se havia maior número de eleitores ou de bengalas encostadas na parede ao lado das urnas receptoras de votos. Sobretudo porque, quem atendeu ao convite para comparecer á sede da Confraria naquela tarde, recebeu título de Fundador, com direito a participar do pleito. Assim organizado, o recanto intelectual colocou-se à prova a possibilidade de subsistir ao tempo. Infelizmente...
Numa manhã a notícia: Chico bateu as botas. Atropelamento. O proprietário do Sebo, lusitano até simpático, transferiu o ponto, levou consigo os melhores livros. Frequentadores assíduos abandonaram o Centro da cidade à medida que este se degradou, deixando recordações fugidias. A Confraria dissolveu-se. Também feneceu. Degeneração múltipla dos órgãos. Há lua e meia percorri as adjacências da outrora ilustre casa de raridades. Dirigi-me ao local onde funcionou. No lugar, nauseabunda lanchonete. Dominava a redondeza o odor de óleo putrefato. Dentro de retângulo envidraçado um japonês (ou seria coreano?) fritava pastéis. Não parei de caminhar. Apressei a marcha. Matutei com meus botões. Nada se cria... Tudo se transforma.
Nós também!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

A VELHICE É TRISTE


Faz bem à vida reencontrar amigos dos tempos em que se desleixava deveres, constituir família era projeto futuro, estudar uma obrigação agradável, descumprir horário fator corriqueiro, promessas esquecidas não causavam arrependimento e cada qual levava o dia a dia da melhor maneira possível. Sobretudo, trabalhando. Batalhar desde cedo nunca matou operário.
 Feliz, portanto, quem marcou data para nosso grupo de anciãos fazer-se presente na “Toca da Onça”, boteco da zona portuária, vizinho de cabarés, dancings e restaurantes cuja freguesia era composta de marujos, notívagos e “mariposas” de boa estrutura física e espiritual.
Compareceu à “Toca” quem pode, ou seja, os sobreviventes de nostálgico período, onde jornalistas sabiam ler, escrever, produzir, sem precisão de faculdade.
 Tirante hipertensão, diabete, artrose, fígados inchados, problemas de próstata, quinze safenas, uma confissão explícita de impotência, o remanescente nos conformes.
A alegria contagiante, os trocadilhos, a revolta com a atuação política da maioria no Congresso, a condenação da ignorância cultural disseminada entre a mocidade graças ao semi-analfabetismo de parte do professorado, a intercessão da mídia no cotidiano das pessoas, de tudo se falou ou aconteceu um pouco.
Parecia um bando de dinossauros a dar importância ao quase nada, ao nada poder executar com a desenvoltura de outrora.
Nego a existir geração tão porreta e engenhosa. Não havia computador para substituir o cérebro de ninguém. As opções se debatiam na dicotomia – colocar a cabeça para funcionar ou tudo se embrulhar no furor da concorrência. Infelizmente, nossas testemunhas são peças de museu.
O processo criativo da Natureza terminou no paraíso, o resto é transformação. Será?
Que realizam - senão criar – os escritores, publicitários, compositores, poetas, arquitetos, designers, inventores toda espécie e grandeza?   
A propósito, maçã é fruta enigmática.
Isaac, o Newton, descobriu a força da gravidade em razão da queda de uma delas no alto do seu cocuruto. Haroldo Lobo consagrou na marchinha carnavalesca o requinte gastronômico de Adão – “maçã igual àquela, o papai também comia.”
A gente caiçara, ao abrir os olhos, enxerga o mar, as moças morenas, a valentia dos pescadores, homens sem medo de enfrentar o oceano.
Na meninice costumava ouvir – garoto, nadando sempre em linha reta, se alcança a África. Provava-se coragem dando braçadas até perder fôlego. Difícil retornar à praia. Tentar a façanha, dever de traquinagem juvenil.
Por carência de oportunidade não dei um giro pela orla. Lamento.
Na prosa dos vetustos, um camaradinha exaltou aventuras quixotescas, multiplicadas ao sabor da cortesia imposta pela civilidade da assistência. Houve quem descrevesse reportagem realizada in-loco por ocasião da descida do homem na superfície da lua. Um terceiro forneceu detalhes de entrevista com ETs aparecidos em rodovia federal em reparo (sic). Outro abasteceu a platéia narrando pormenores de conversa íntima mantida com determinado Papa durante viagem à América do Sul. Divulgaram conselhos desprezados por Pelé e o trabalho de certo radialista em ensinar o beijo técnico trocado entre o Randal Juliano e a Vida Alves no início das transmissões televisivas.
Enfim, proezas de causar inveja a mitólogos de todas as raças.
Espumantes tulipas de chope adornavam o ambiente. Uma saudade imensa revigorava orgulhos pretéritos Mentiras e verdades, descritas sem pavor de recriminações, abrilhantavam o espaço reservado a tradicionais freqüentadores da tasca secular.
 Na rua, despencava um toró - águas de março, fechando o verão...
Assim revi amigos, companheiros perdidos por décadas, turma legal que se prepara, sem cuidado, para seguir em direção ao desconhecido.
Tive pena de alguns. Compaixão, piedade, como definir? Não se prepararam para a velhice. Gastaram dinheiro e talento sem pensar no futuro.
No carro, conferi idéias com o Cuna.
- Na próxima estarei ausente. Voltar a terra mãe, que vantagem trouxe?
- Praiano, acontece que estivemos em reduto fossilizado. Nenhum deles progrediu ou se adaptou aos avanços tecnológicos. Continuam sendo, apenas, gente boa. A velhice é triste, quando nos acomodamos. Este, o drama da maioria dos seres humanos.
As mulheres, em geral, reagem. Disfarçam a perda do interesse pelos assuntos de cachola, assistindo a novelas. As pelancas elas corrigem, injetando botox.
 - O sol começa a expulsar as estrelas. Vamos no balançar da calmaria. O último apressado engarrafou as nuvens. Negócio é subir a serra devagar. Deixa o Galo dirigir. É profissional.  
- Queixoso, faltou-lhe picardia. Reparou na jambete que nos devorava com os olhos?
A fossa não se origina no fato de não teres o que vestir.  Mas, naquele deixar de notar que, ao lado, está uma descolada disposta a te despir. Morou?  
- Pompas, fêmea no pedaço e não cutucou. Colocaríamos a modernidade a serviço da satisfação. Comprava-se uma caixa de Viagra, (dane-se o coração) e pau na crise. Mulher solta sempre se ampara em “comadre” cúmplice prá qualquer babado. Dava pros dois. É de praxe.
- As boas sugestões aparecem antes ou depois da hora justa. Agora, só no binóculo. Tua decisão é de escapar da reunião seguinte, Entonces...
- Cuna, entendeu errado. Acha possível eu afirmar uma asneira dessa? O lance será abandonar a lengalenga daqueles cretinos e ficar alerta. Trocou sorrisos, muda-se de mesa. A mais tesuda é minha. Que pode suceder, salvo alegria, alegria?

domingo, 25 de setembro de 2011

AVIÃO NÃO CAI


Avião não cai, derrubam!
            Na prática, a teoria de os inventores do “mais pesado que o ar” poder voar comprovou ser verdadeira. Nesse exato momento, pelo mundo todo, calcula-se estejam no espaço dezenas de milhares de aviões e correlatos, flanando de forma tranquila. Salvo se os responsáveis pela manutenção do “equipamento” tenham descuidado de verificar alguma coisa e uma peça mal revisada provoque falha mecânica irreparável capaz de ocasionar um desequilíbrio, que levará o bicho em parafuso de volta a terra.
Também pode acontecer erro humano. Nesse caso, o “serviço de bordo” é interrompido bruscamente e toda gente seguirá em direção ao Paraíso.
Tirando de letra essas possibilidades macabras, a viagem é simples. Como diz o velho Cuna – senta, aperta o cinto, sobe, cochila, beberica e desce.
O risco de acidente, apesar de mínimo, acontece na decolagem. Isto é, no solo!
            Os homens da cabine posicionam o avião de maneira adequada, aceleram os motores e pau – inicia-se a corrida! Velocidade Um (V-1).  Em determinado instante esta aumenta, se torna Dois (V-2). Aí não tem jeito. Brecar, impossível. Não há como fazê-lo sem espatifar o bruto. O que sobra de pista é pouco. Necessário levantar vôo, pouco importante, na hora, a conseqüência. Por estas e outras rezo um Pai Nosso antes da deslização!
 No alto, moleza. Dá tempo para acertar muita coisa, impedir muita asneira. Os modernos sistemas de computação substituem a imbecilidade dos Motoristas do Ar. Eles ficam p. da vida com a designação. São Comandantes, Pilotos, Co-Pilotos, Comissários... Dependemos da perícia deles: custa seguir a nomenclatura clássica exigida?
            Voar é bom. O chato são as estradas que levam aos aeroportos. Parecem atrair congestionamentos. Viagem tipo médio percurso transforma-se, fácil, em pesadelo. Preliminares à parte, difícil reverter um processo de transporte aéreo após a saída de casa. Colocou mala no carro, pegou caminho, suspender a programação impraticável. Os viadutos de retorno concentram tráfego maluco de ruim. Sábio conselho, relaxar... Dona Marta tem razão.
             O desenvolvimento de a aeronáutica é prova inconteste dos avanços tecnológicos obtidos pela humanidade no século XX. Esqueça transplante de órgãos, clonagem, desintegração do átomo, rádio, TV, telefonia celular, informática, mutações biológicas, o efeito da globalização, que mais desejar.
 Fixe-se na figura do mineirinho, filho de família rica, que, residindo em Paris, endoidou de vez. Começou a dar lidar com estranho aparelho avuando ao redor da Torre Eiffel, para desespero dos Irmãos Wright que lhe faziam concorrência longe do Campo de Bagatelle. Cem anos depois, comandava-se da Terra a descida de um robô em Marte a fim de vascular o chão do planeta em busca de água e vida. A Lua, após rápidas visitas, perdeu interesse. Pode?
O “pássaro de metal” traz compensações. Cunegundes afirma nunca haver ingressado num avião sem cruzar com pelo menos um padre ou duas freiras nas filas de embarque. Que tanto necessitam fazer nas nuvens? Presença obrigatória é a da descolada, louca para um flerte qualquer. Ah, injustiça olvidar o canalha executivo, pronto a repassar Cartões de Visitas para as mãos de aeromoças. Mantenho amizade com simpática “chefe de comissárias”, envaidecida de arquivar mil bilhetinhos com indicação de endereço e telefone de “admiradores”... O marido orgulha-se da popularidade da esposa honesta, trabalhadeira. Tive acesso ao baú onde guardam mensagens. Se publicarem nomes, comprovar-se-á: O Preço da Fidelidade é a Eterna Vigilância!
Desconheço divulgação de estudos psicológicos sobre condutas adotadas por passageiros, uma vez no ar. O pouco que sei é ligado à observação pessoal. Muito caminhei pelo espaço. Susto, um só. No meio do Atlântico, sem perceber a anomalia que nos levou de volta à África. A noite foi movimentada. Bendita pane! O Sivuca retornava à Pátria, conduziu o pagode. Dá para ter idéia? Além de tudo, um “First Class” recebe paparicos.
Voltando ao sério. Podem ficar surpresos. Sou extremamente calmo. Wiscky de confiança, uma garrafa de champagne, aquele pratinho com canapés variados, travesseiro gostoso, um filme do qual não verei metade tornam-se agrados suficientes para minha felicidade andante. Em vôos curtos, o jornal do dia. Nos médios, doses de Scotch satisfaziam. Bons tempos. Bêbado é quem vai com sede ao porre!  Deve-se detonar o barril gole a gole...
Desejo mesmo contar é o desenrolar da “Greve Portuguesa”, eu a bordo.
Minha irmã residia em Portugal. Injusto seguir, após trabalho na Itália, sem abraçar a menina, recém casada? Estivemos juntos, jantamos em Cascais, tarde fui dormir. Pegou-me às dez e meia da matina na porta do hotel, deixou-me no Portela de Sacavém (quem foi o gajo, ignoro). Fiz o despacho normal, aboletei corpo na larga poltrona, graças ao “up grade” concedido. O avião taxiou, chegou à ponta da pista... Motores desligados! O Comandante leu manifesto sindical, anunciando “greve de solidariedade aos vinicultores do norte do país”. Uma hora de paralisação. Que tinha a ver o cuco com as cartas? A “Revolução dos Cravos” ainda procurava rumos políticos. A fidalguia lusitana é insuperável. A Comissária achegou-se para explicações.
            - Excelência (logo eu). Por ordem da Central dos Sindicatos Unidos estamos em “parede”. Preparei-lhe acepipes, aqui as iguarias, o pote de caviar, o champagne conforme manifestou ser de gosto. A simples aceno, indico-lhe onde satisfazer vontades. No período de “obediência sindical” não posso tocar em nada. Sentou-se a meu lado, sorriu docemente, puxou prosa. Uma graça.
            Sessenta minutos depois, o Motorista do Ar, quatro listras, acionou os potentes. O Jumbão deslizou... V-1... V-2...  Alevantou-se !
À noitinha gargalhava em Ipanema, saboreando chopinho companheiro. Nunca dantes a certeza – Avião não cai. Derrubam!

sábado, 17 de setembro de 2011

ENTÃO, A CABEÇA ENDOIDOU DE VEZ


Na tarde de muito frio e azul celeste percebi a realidade. Sou simples ancião. Há muito abandonei bebidas alcoólicas, não jogo, não fumo, assusta-me a possibilidade de fracassar nas tentativas de fazer sexo gostoso. Daí, a inevitável indagação - que perspectivas encontro na vida para dizer-me feliz e desejar permanecer neste planeta? O caso é grave.
            Vou-me embora prá pasárgada. E se naquelas bandas não houver um Rei? Serei amigo de quem? Caso pasárgada seja uma ilha, talvez, possa andar de bicicleta, as águas salgadas do mar consolarão meus penares. A dúvida resume-se como encarar o depois.
Ocorre-me a idéia de a Natureza oferecer surpresas. Podem existir montanhas vermelhas, flores cantantes, animais de caudas longas e inteligência capaz de dialogar agradavelmente com estranhos. Sendo assim, esquecerei os parvos do nosso mundo, tentarei adaptar-me ao novo lar. Afastada a dúvida da incerteza, fixo-me na convicção – pior do que está não fica.
A Terra me provoca náuseas. É guerra, descaso ambiental, desídia no trato da coisa pública, corrupção, violência urbana, rural, terremotos, tsumanis, tramóias de tudo quanto é espécie. Deixei de acompanhar o noticiário geral por uma razão lógica. Os fatos são diferentes, mas a essência é enfadonha, suja, sem criatividade. Parece reportagem de carnaval. Um distraído assiste ao desfile de 2000, imaginando acompanhar o espetáculo deste ano. Com a vantagem de poder concordar com a esposa – Portela esteve melhor do que Salgueiro. O ritmo, plumas, baianas, evoluções, tudo muito igual. A Porta Bandeira, tesão de mau caminho.
O digitar das letras caminhava tranquilamente, nenhuma novidade na formatação de palavras, frases seguindo outras, quando aconteceu...
Pane geral no computador!
Que mais faltaria para completar o ciclo de desapontamentos? Até o notebook se posicionara contra mim. A crise existencial atingira o ápice. A partir de então, a luta. Homem cabeça contra máquina desconsertada. O caos se instalara na minha cuca. Como proceder?
Foi aquele aperta botão na esquerda, aciona o vizinho, liga, permuta combinações, consulta de manuais, a imprecatória chula, raiva, um sufoco.
Resultado? O “instrumento cibernético” venceu a batalha. Voltei à fossa.
Nesse exato momento minha neta, de onze anos, entrou no escritório.
- Uai, vô, de folga hoje?
- A geringonça descarrilou. Não consegui lidar com a teimosia desta porcaria. Perdi a guerra. O vô precisa mesmo partir. Velhice é triste.
- Não chama toda gente de ignorante? Chegou sua vez, garotão. É mal de geração. Vocês sabem o queaconteceu, descrevem o supérfluo, desconhecem o que está acontecendo e insistem em ignorar o que acontecerá amanhã logo cedo. Deixa analisar o problema.
Abriu o computador, deu uma olhadela, pediu que me retirasse para não perturbar o serviço. Chamou-me de volta em minutos. Tudo resolvido.
- 20 contos. Pode esquecer nota manchada. Dá confusa.
- Que houve afinal?
- Sigilo profissional. Não quero perder a boca. Arruma uma encrenca todo dia. Apenas para conquistar freguês, uma dica – erro primário!
Escafedeu-se com a gaitolina na mão. Uma graça.
Distanciei-me das nuvens negras que rondavam meu cérebro. A garota, inconscientemente, alertou-me para as próximas obrigações a cumprir. O homem ocioso jamais compreenderá o sentido da modernidade. O obsoleto lhe satisfaz. O melhor, quando não decifra um enigma é sacudi-lo janela fora.
Dane-se o aspecto físico da questão. O tédio vai no pacote Há valores cultivados por décadas, que desprezei durante um átimo de desânimo.
Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem” - a menina enxergara além do real a que me habituara.
Tudo é sublime na juventude. Modo especial o inconformismo. Os cabeludinhos de 68 mostraram-se alienados em relação ao que mudar. Estavam descontentes, ponto final. Era quanto lhes bastava. Todavia, a partir das manifestações de Paris pouca coisa restou na ribalta do conservadorismo. O mundo precisou girar mais depressa para compreender o recado sem mensagem explícita. Uma nova geração assumira as rédeas do controle psicossocial do ocidente.
Acima da importância de indagar, que será de nossos filhos tão dispostos a fuçar informações, seria oportuno verificar qual contribuição eles esperam de todos nós para alcançar uma educação consistente, que lhes ajude a vivenciar com dignidade seus sonhos e amores.
É o xis da equação. Esperança versus Responsabilidade.
O problema vem da base. Família ausente, escola despreparada, um vácuo afetivo e cultural difícil de preencher.  
Há pouco, conversando com uma professora de português ouvi de seus lábios mal cheirosos – o mais pior é... Preciso explicar a reação?
 As crianças não são culpadas. O sistema, este sim, é irresponsável, maléfico, incapaz de atender demandas. Alunos, com certeza, escutam barbaridades no decorrer do ano letivo. Por dever estatístico recebem aprovação. Em nome do menos ruim.
Brasil, Brasil, meu Brasil... Ou preferem Brasiu?
Não fosse a referida pane, muito provável escrevesse um precipitado necrológio. Poderia, no texto, sugerir um epitáfio para minha lápide – não contem mais comigo !
Crônica é assim mesmo. O escriba vai para um canto, se esborracha no lado oposto. De tudo, entretanto, ficou o ensinamento – “o mundo é largo. Tem lugar pro gordo e lugar pro magro. Tolo é quem se mata”.
Que dizer de quem se desespera por pouco?

sábado, 10 de setembro de 2011

FLORES NA MANHÃ QUE NASCE


Vestido de chita cor-de-rosa, sandálias tipo havaiana, cabelos loiros, em desalinho, olhos de mel, apenas completadas doze primaveras, Carina, a florista, bate-me à porta, trazendo o vaso de crisântemos cultivado pela própria mãe. Inocente lorota na qual finjo acreditar entre sorrisos e meiguices.
            A menina é um doce de criatura. Visita-me nas terças e sábados, pouco importa esteja o sol a brilhar ou o firmamento se apresente carregado de nuvens ameaçadoras.  
Cumpre a obrigação de entregar encomendas; impossível desiludir a freguesia, conquistada à custa de persistência, graça e simpatia.
No bairro, toda gente a conhece e lhe dedica um bem querer fraterno, filial.
Carina reúne educação e simplicidade.  Inteligência viva, sorriso fácil, impossível distinguir sua melhor qualidade. Noutro dia mesmo, um vizinho confessava ter inveja de nossa relação. Sempre desejou conversar com a pequena vendedora, no entender de muitos a própria natureza em festa. Mas, dizia-me, eu o privara de concretizar tal aspiração.
 Nunca tive anseios de monopolizar tão bela amizade. Entretanto, é certo, ela reanima meu coração por vezes cansado dos desmandos da vida moderna.      
            Convido-a entrar. Sentamos lado a lado na mesa do desjejum. Antes, pede-me licença para lavar as mãos, circunstância jamais esquecida; ternura de civilidade. A pobreza não a desobriga de demonstrar o quanto aprendeu em casa.
- A gente ajuda na limpeza, faz a lição da escola, sobra tempo para ajudar as caçulinhas... Importante é rezar, pedindo luz. A família faz orações na hora de dormir, sabe doutor?!  
 Ofereço-lhe pão, queijo, manteiga, a xícara de café com leite, bolo de chocolate, ainda fumegante, suco de laranja, provavelmente sua mais consistente refeição da semana.
Em determinada ocasião cheguei a imaginar se estes momentos não seriam meros subterfúgios capazes de impedir reflexões a propósito de as obrigações de minha consciência perante a sociedade desguarnecida.
E se Carina for apenas um álibi mal costurado diante de Deus para amenizar meus pecados?
Pai, não tem. Contou-me haver abandonado mulher e filhas, envolvido com tramóias, malandragens e polícia. Sumiu nas brumas da degradação humana.
A mãe, feirante, luta por manter a prole entre privações e sofrimentos, mantendo padrão decente de trabalho e bom exemplo, esforçando-se para dignificar cada tostão ganho honradamente, aplicado sem desperdício. Assim vão vivendo de maneira humilde, modesta, briosa.
Esmolas? Nem pensar!
            A florista-doçura teima em batalhar insistentemente. Nada lhe assusta ou desanima. Salvo quando obrigada a permanecer na barraca, esperando compradores. A calmaria de um balcão não integra sua personalidade buliçosa.
Elétrica, vai construindo a vida; lutando, competindo, pelejando aqui, ali, acolá.
- Desculpem. Vendo flores e tenho um preço. Não paguem além do combinado. Detesto abusar nem receber o que não seja justo.
Na oportunidade em que ouvi tal frase, pronunciada com tanta convicção e altivez, desabei!
Positivamente estava a sonhar. Idealizei tratar-se de suspiros ou fantasia inquietante.
 muito desaprendemos a receber lições semelhantes.
 Entretanto, as palavras quantificavam a probidade presente no cérebro de uma infante...
 A partir de então, nos tornamos amigos... Amigos inseparáveis.
 A presença dessa criaturinha em casa tem o condão de fazer-me raciocinar a propósito do real valor da honradez em nossa existência e descobrir onde se localiza a morada da felicidade.
            O leitor poderia informar-me ou também sente dificuldade para desvendar este mistério?
Estaria o cofre da fortuna nos palácios imperiais, nas viagens paradisíacas entre nobres e bajuladores ou no comportamento descontraído e alegre duma pirralha encantadora? Na leitura de grandes livros ou na erudição científica dos doutores?
Não seria justo procurar na candura dos pequeninos, onde a maldade ainda não conseguiu penetrar?
            Perdi a conta de quanto procurei a Deus entre as estrelas que iluminam o Universo infindo. Incontáveis, também, as horas em que O encontrei dormindo junto a mim, repousando debaixo de meu travesseiro. Intrigante...
            Minha amiguinha termina a refeição frugal. Encabula-se ao agradecer.
            Tem os lábios lambuzados, o rosto tranqüilo, pressa para continuar o trabalho.
            Feliz da vida, pergunta pelo restante da família. Sabe o nome de cada um, a todos deixa um abraço.    Entrego-lhe o dinheiro devido pelo vaso de crisântemos.     Qual destino lhe reserva as necessidades duma gente desvalida, plena de virtudes e cuja presença ao nosso lado milhões ignoram neste mundaréu de cínicos ladravazes? Horroriza-me indagar-lhe.
Talvez seja para o aluguel mensal do cortiço. Por que não para adquirir um remédio, pagar dívidas de comida, comprar sabão de tanque, quem advinha?  
            Beija-me. Despede-se. Vai tratar da vida.
Em breve Carina será mocinha. A crueldade de a cidade grande lhe agredirá de todas as formas possíveis. Perceberá os desatinos coletivos e querendo manter convicções, terá de enfrentá-los com coragem e valentia.
            O escriba, um simples tabaréu sem méritos, não consegue descobrir as razões da presença de tanta miséria e desigualdade nesta terra onde as flores enfeitam os campos e o bicho-gente degrada sua própria permanência no planeta

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

MAIS UMA DE PAPAGAIO


Graças a méritos inquestionáveis, o Papagaio deveria ser reconhecido como o mais legítimo símbolo da gente brasileira.
 É falante, irrequieto, mordaz, travesso, debochado, malandro, afável, simpático, nenhum obstáculo lhe traumatiza, luta pela sobrevivência conforme as regras sociais que encontra pela frente. Seja na mata onde procria com liberdade ou no poleiro domiciliar, lugar em que exerce a nobre missão de criticar costumes, sem medo de censura e reprimendas.
 O loirinho atrevido representa a voz das ruas. É a corneta do populacho, a opinião nacional manifestada através de destemidas e desaforadas observações. Há quem prefira enaltecer a sabedoria da coruja. Defendo a coragem dos bravos. Não fora a audácia dos intrépidos, provavelmente a humanidade ainda vivesse na Idade das Pedras  
 Enxergo, pois, na penugem verde-amarela do estimado tagarela, a bem querência geral de ricos, pobres e remediados, questão de fartura à mesa pouco interessa.
Daí o raciocínio - a unanimidade é sempre idiota? A exceção, pelo visto, confirma a assertiva.
Os animais possuem numerosas graduações de perspicácia. Basta observar. O que lhes falta é capacidade para compreender ditames de consciência e a noção transcendente de o sentido da morte. Quem sabe, um dia, o homem, baixando de sua vaidade, descobrirá nos inferiores algum predicado que se confunda com inteligência, pois memória muitas espécies já desenvolveram. Ou você é dos que acreditam na conversa do barro, da costela, da maçã e da serpente?
“Maçã igual àquela, o papai também comia.”
Tudo faz sentido à luz da evolução, o que não invalida a grandeza da Obra Divina.  
Recordo-me de Herr Fritz, um alemão vizinho, que ensinava seu macaco a lidar com números e letras. Passava horas no mister amalucado.
 Um velho caiçara jardineiro, certa ocasião, encarou o esforço do germânico, mandou ver
Burro demais. Não notou que entre ele e o bugio há uma distância intelectiva de 30.000 anos, pelo menos?
.Era menino. Nunca esqueci o comentário!
 Meu papagaio aportou em casa, recém saído do ninho. Logo recebeu assistência pediátrica. É mole?
 Cresceu em graça e beleza. Discursa com desenvoltura. É inigualável na forma de soltar asneiras. Em estapafúrdios, empata com muito político da terra. Depende da hora. Empolga-se com aplausos fáceis. Ninguém consegue frear a língua do dito cujo. É maledicente por natureza. Poderia estar no Parlamento Nacional como líder de bancada ou integrante do baixo clero, lidando com ajeitações orçamentárias
Fuderico é descompromissado com a racionalidade. Detentor de renomada fama na redondeza houve amigos, (dele), que pensaram lançá-lo candidato a Deputado Federal. Pessoal graúdo. Intelectuais, artistas, líderes do GLST, a galera do boteco. Recusou a sugestão. Pediu respeito. Os palhaços são outros, pronunciou-se de forma a manter ilesa sua dignidade avícola.
 Apesar de abominar publicidade e manter reserva na vida particular, aprecia banhar-se junto ao parapeito da área de serviço. Adora praia. Semanalmente dá uma geral na namorada, moradora no 51. Não enjeita wiscky (ainda vão matar meu bichinho de cirrose).
Interessante é quando lhe perguntam – tudo azul, meu verde?
A resposta é fina e atenciosa – melhor que tua mãe!
Quero, sim, proclamar o Papagaio símbolo-mor do povo salário mínimo!
Nada de tucanos, bem-te-vis, sabiás, sagüis, tatus, jaguatiricas, micos-leões dourados, onças pardas ou pintadas, tamanduás, veados-campeiros, araras, ararinhas, biguás, beija-flores, macucos, sucuris, jacarés, jabutis, teiús ou que mais inventem.
Sou Papagaio e não abro!
Faz tempo, precisei viajar. Deixei Fuderico aos cuidados de certa amiga, dama da noite e do babado livre. Compreenderam o teor da confiança, né?  Ao voltar, Dalvinha contou-me a última do papagaio
Tratava meu loirinho a biscoito de maizena, papas de milho ralado, mingau de aveia, sementes de girassóis, água mineral e quanto mais lhe fosse de gosto e prazer. Mantinha-o defronte à ventana, bem acomodado no gaiolão.
 Para maior comodidade do hóspede colocava uma coberta protetora ao redor do cativeiro temporário e ao brilhar o sol retirava a manta. Assim, o albergado aproveitava luz e calor, até surgir à primeira estrela da tarde. Antes de iniciar seu labor noturno, restaurava a privacidade (de ambos, evidente).
Determinada matina nossa heroína recebeu telefonema de um graúdo do mercado financeiro, anunciando visita na hora do almoço. Por necessidade de serviço abaixou a cobertura da gaiola da irrequieta avezinha.
O bichinho protestou – Senhora Dona Dalva, que dia tão curto hoje...
Caí na gargalhada. Essa o Raul Solnado contou na TV Record há mais de meio século
Mulher de mil madrugadas não se aperta por pequenas causas. Passou a mão no meu rosto, elucidou o fato.
- Praiano, para você ver. O Fuderico assistiu à reprise do Show, arquivou a tirada do antepassado na cachola, aproveitou a deixa na primeira oportunidade.
- Cadê as seiscentas pratas prometidas? Duas semanas de hospedagem cinco stars. Negócio é negócio.
No carro, puxei prosa com o loirinho.
- E daí, meu?
- Um sobe e desce sem parar. A coroa tem amigos prá cacete!
Vale insistir – Papagaio na cabeça!   

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

NÃO MUDOU GRANDE COISA...


A grande maioria de nós nem era nascida. O cronista, garoto fuçador, recém introduzido nas lides jornalísticas da época, acompanhou o fato como simples espectador, por arranjo e graça de amigo influente.
 Um foca começa a vida por baixo. Depois, através de esforços, engenho e arte realiza trabalhos de envergadura, se tiver qualidades necessárias ao bom desempenho profissional. Tempos passam, tempos chegam, tudo recomeça para eterna continuação. Somente avança a tecnologia posta à disposição dos interessados em atualizar-se para não perder o trem da modernidade.
            No final da década 50, o Padre Louis Joseph Lebret escritor, economista, sociólogo francês, criador do “Instituto Internacional para o Desenvolvimento Global Harmonizado” e da revista “Desenvolvimento e Civilização” esteve na América Latina a fim pronunciar palestras e aprofundar estudos acerca de os motivos do nosso atraso e disparidades sociais. Recebido por admiradores e intelectuais preferiu hospedar-se defronte à orla do Rio de Janeiro. Dispensou mordomias. Os irmãos de Ordem Religiosa compreenderam a decisão. Viera a serviço da ciência
Tão logo aportou em terras brasileiras cumpriu obrigações acadêmicas, recolheu-se, marcou para as 7.00 h da manhã seguinte a primeira visita à cidade. Para surpresa dos anfitriões, “o homem deixara os aposentos duas horas antes e deveria estar caminhando pelo “calçadão” da praia. A explicação de Lebret convenceu – “gosto de rezar apreciando o nascer do dia”...
Definiu o próximo encontro de “observação e análise” para as 6.00h do dia posterior. Não deu outra. O respeitabilíssimo pegara um táxi lá pelas 4.00 da matina e se mandara para lugar desconhecido... O jeito foi aguardar o retorno.
Brasileiro detesta verdades pronunciadas por quem quer que seja. Prefere varrer a miséria para um canto da sala, local de difícil visão para os convidados.
Na conversa de despedida, o francês mostrou-se gentil, porém incisivo – “o problema de vocês, além da completa falta de infra-estrutura urbana é cultural. Ontem, fui abrir latas de lixo. Hoje também. Guardadas as proporções, o desperdício na favela nada fica a dever ao lixo encontrado nos recipientes que vasculhei na porta dos prédios do Leme e de  Copacabana”.
Prosseguiu amigavelmente – “educar prolonga-se geração após geração. É processo contínuo. Não deve sofrer interrupção. Somente depois de vocês absorverem o valor da poupança em cada ato da vida diária haverá transformação capaz de libertar o país da visão que mantém sobre este Estado-mãe obrigado a tudo socorrer à custa do erário, quase sempre dilapidado de forma irresponsável”.
Lebret faleceu em 1966 (Paris). Mais de meio século.
O Gaudêncio Torquato, não faz muito, rememora, com felicidade ímpar, passagens do livro de José Abrantes, professor engenheiro da UERJ – “O País dos Desperdícios.”
- Jogamos fora, por razões diversas, 50% dos alimentos produzidos (perda anual de R$ 12 bilhões, o que daria para satisfazer a fome de 30 milhões de pessoas). 40% da água distribuída, 30% da energia elétrica. Daí a fora.
Os cálculos foram feitos de maneira isenta, com erudição e critério, longe do refrão - “nunca dantes”. Por sinal, no caso, a expressão correta seria -“como sempre sucedeu.
Há simplesmente um PIB e meio desperdiçado, ou seja, jogam-se no lixo R$ 3,6 trilhões a cada 12 meses. Se a montanha de riquezas pudesse ser preservada, o país há muito, estaria no ranking de as maiores potências mundiais.
Torquato se permite divagar sobre ai maneira de diminuir o Produto Nacional Bruto do Esbanjamento.  
 - “Ordem e disciplina nos gastos. Rigor no preceito constitucional da economicidade e moralidade. Uso racional do espaço público. Coordenação eficaz dos planos de obras. Qualificação e treinamento dos quadros funcionais. Elevação geral do nível educacional da população”.
No momento em que o mais modesto cidadão conseguir decifrar a conta da gastança inútil, as distâncias entre os compartimentos da pirâmide social serão menores e o Brasil maior.
Nada de paternalismo, nada de benesses eleitoreiras. Tudo a ver com a racionalidade das matérias de real interesse coletivo.
É grande o espaço temporal entre as observações do Pe. Lebret e os indicadores apontados pelo Eng. Abrantes.
Apenas uma reflexão – as coisas alteraram muito?