sábado, 17 de setembro de 2011

ENTÃO, A CABEÇA ENDOIDOU DE VEZ


Na tarde de muito frio e azul celeste percebi a realidade. Sou simples ancião. Há muito abandonei bebidas alcoólicas, não jogo, não fumo, assusta-me a possibilidade de fracassar nas tentativas de fazer sexo gostoso. Daí, a inevitável indagação - que perspectivas encontro na vida para dizer-me feliz e desejar permanecer neste planeta? O caso é grave.
            Vou-me embora prá pasárgada. E se naquelas bandas não houver um Rei? Serei amigo de quem? Caso pasárgada seja uma ilha, talvez, possa andar de bicicleta, as águas salgadas do mar consolarão meus penares. A dúvida resume-se como encarar o depois.
Ocorre-me a idéia de a Natureza oferecer surpresas. Podem existir montanhas vermelhas, flores cantantes, animais de caudas longas e inteligência capaz de dialogar agradavelmente com estranhos. Sendo assim, esquecerei os parvos do nosso mundo, tentarei adaptar-me ao novo lar. Afastada a dúvida da incerteza, fixo-me na convicção – pior do que está não fica.
A Terra me provoca náuseas. É guerra, descaso ambiental, desídia no trato da coisa pública, corrupção, violência urbana, rural, terremotos, tsumanis, tramóias de tudo quanto é espécie. Deixei de acompanhar o noticiário geral por uma razão lógica. Os fatos são diferentes, mas a essência é enfadonha, suja, sem criatividade. Parece reportagem de carnaval. Um distraído assiste ao desfile de 2000, imaginando acompanhar o espetáculo deste ano. Com a vantagem de poder concordar com a esposa – Portela esteve melhor do que Salgueiro. O ritmo, plumas, baianas, evoluções, tudo muito igual. A Porta Bandeira, tesão de mau caminho.
O digitar das letras caminhava tranquilamente, nenhuma novidade na formatação de palavras, frases seguindo outras, quando aconteceu...
Pane geral no computador!
Que mais faltaria para completar o ciclo de desapontamentos? Até o notebook se posicionara contra mim. A crise existencial atingira o ápice. A partir de então, a luta. Homem cabeça contra máquina desconsertada. O caos se instalara na minha cuca. Como proceder?
Foi aquele aperta botão na esquerda, aciona o vizinho, liga, permuta combinações, consulta de manuais, a imprecatória chula, raiva, um sufoco.
Resultado? O “instrumento cibernético” venceu a batalha. Voltei à fossa.
Nesse exato momento minha neta, de onze anos, entrou no escritório.
- Uai, vô, de folga hoje?
- A geringonça descarrilou. Não consegui lidar com a teimosia desta porcaria. Perdi a guerra. O vô precisa mesmo partir. Velhice é triste.
- Não chama toda gente de ignorante? Chegou sua vez, garotão. É mal de geração. Vocês sabem o queaconteceu, descrevem o supérfluo, desconhecem o que está acontecendo e insistem em ignorar o que acontecerá amanhã logo cedo. Deixa analisar o problema.
Abriu o computador, deu uma olhadela, pediu que me retirasse para não perturbar o serviço. Chamou-me de volta em minutos. Tudo resolvido.
- 20 contos. Pode esquecer nota manchada. Dá confusa.
- Que houve afinal?
- Sigilo profissional. Não quero perder a boca. Arruma uma encrenca todo dia. Apenas para conquistar freguês, uma dica – erro primário!
Escafedeu-se com a gaitolina na mão. Uma graça.
Distanciei-me das nuvens negras que rondavam meu cérebro. A garota, inconscientemente, alertou-me para as próximas obrigações a cumprir. O homem ocioso jamais compreenderá o sentido da modernidade. O obsoleto lhe satisfaz. O melhor, quando não decifra um enigma é sacudi-lo janela fora.
Dane-se o aspecto físico da questão. O tédio vai no pacote Há valores cultivados por décadas, que desprezei durante um átimo de desânimo.
Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem” - a menina enxergara além do real a que me habituara.
Tudo é sublime na juventude. Modo especial o inconformismo. Os cabeludinhos de 68 mostraram-se alienados em relação ao que mudar. Estavam descontentes, ponto final. Era quanto lhes bastava. Todavia, a partir das manifestações de Paris pouca coisa restou na ribalta do conservadorismo. O mundo precisou girar mais depressa para compreender o recado sem mensagem explícita. Uma nova geração assumira as rédeas do controle psicossocial do ocidente.
Acima da importância de indagar, que será de nossos filhos tão dispostos a fuçar informações, seria oportuno verificar qual contribuição eles esperam de todos nós para alcançar uma educação consistente, que lhes ajude a vivenciar com dignidade seus sonhos e amores.
É o xis da equação. Esperança versus Responsabilidade.
O problema vem da base. Família ausente, escola despreparada, um vácuo afetivo e cultural difícil de preencher.  
Há pouco, conversando com uma professora de português ouvi de seus lábios mal cheirosos – o mais pior é... Preciso explicar a reação?
 As crianças não são culpadas. O sistema, este sim, é irresponsável, maléfico, incapaz de atender demandas. Alunos, com certeza, escutam barbaridades no decorrer do ano letivo. Por dever estatístico recebem aprovação. Em nome do menos ruim.
Brasil, Brasil, meu Brasil... Ou preferem Brasiu?
Não fosse a referida pane, muito provável escrevesse um precipitado necrológio. Poderia, no texto, sugerir um epitáfio para minha lápide – não contem mais comigo !
Crônica é assim mesmo. O escriba vai para um canto, se esborracha no lado oposto. De tudo, entretanto, ficou o ensinamento – “o mundo é largo. Tem lugar pro gordo e lugar pro magro. Tolo é quem se mata”.
Que dizer de quem se desespera por pouco?

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