sexta-feira, 2 de setembro de 2011

MAIS UMA DE PAPAGAIO


Graças a méritos inquestionáveis, o Papagaio deveria ser reconhecido como o mais legítimo símbolo da gente brasileira.
 É falante, irrequieto, mordaz, travesso, debochado, malandro, afável, simpático, nenhum obstáculo lhe traumatiza, luta pela sobrevivência conforme as regras sociais que encontra pela frente. Seja na mata onde procria com liberdade ou no poleiro domiciliar, lugar em que exerce a nobre missão de criticar costumes, sem medo de censura e reprimendas.
 O loirinho atrevido representa a voz das ruas. É a corneta do populacho, a opinião nacional manifestada através de destemidas e desaforadas observações. Há quem prefira enaltecer a sabedoria da coruja. Defendo a coragem dos bravos. Não fora a audácia dos intrépidos, provavelmente a humanidade ainda vivesse na Idade das Pedras  
 Enxergo, pois, na penugem verde-amarela do estimado tagarela, a bem querência geral de ricos, pobres e remediados, questão de fartura à mesa pouco interessa.
Daí o raciocínio - a unanimidade é sempre idiota? A exceção, pelo visto, confirma a assertiva.
Os animais possuem numerosas graduações de perspicácia. Basta observar. O que lhes falta é capacidade para compreender ditames de consciência e a noção transcendente de o sentido da morte. Quem sabe, um dia, o homem, baixando de sua vaidade, descobrirá nos inferiores algum predicado que se confunda com inteligência, pois memória muitas espécies já desenvolveram. Ou você é dos que acreditam na conversa do barro, da costela, da maçã e da serpente?
“Maçã igual àquela, o papai também comia.”
Tudo faz sentido à luz da evolução, o que não invalida a grandeza da Obra Divina.  
Recordo-me de Herr Fritz, um alemão vizinho, que ensinava seu macaco a lidar com números e letras. Passava horas no mister amalucado.
 Um velho caiçara jardineiro, certa ocasião, encarou o esforço do germânico, mandou ver
Burro demais. Não notou que entre ele e o bugio há uma distância intelectiva de 30.000 anos, pelo menos?
.Era menino. Nunca esqueci o comentário!
 Meu papagaio aportou em casa, recém saído do ninho. Logo recebeu assistência pediátrica. É mole?
 Cresceu em graça e beleza. Discursa com desenvoltura. É inigualável na forma de soltar asneiras. Em estapafúrdios, empata com muito político da terra. Depende da hora. Empolga-se com aplausos fáceis. Ninguém consegue frear a língua do dito cujo. É maledicente por natureza. Poderia estar no Parlamento Nacional como líder de bancada ou integrante do baixo clero, lidando com ajeitações orçamentárias
Fuderico é descompromissado com a racionalidade. Detentor de renomada fama na redondeza houve amigos, (dele), que pensaram lançá-lo candidato a Deputado Federal. Pessoal graúdo. Intelectuais, artistas, líderes do GLST, a galera do boteco. Recusou a sugestão. Pediu respeito. Os palhaços são outros, pronunciou-se de forma a manter ilesa sua dignidade avícola.
 Apesar de abominar publicidade e manter reserva na vida particular, aprecia banhar-se junto ao parapeito da área de serviço. Adora praia. Semanalmente dá uma geral na namorada, moradora no 51. Não enjeita wiscky (ainda vão matar meu bichinho de cirrose).
Interessante é quando lhe perguntam – tudo azul, meu verde?
A resposta é fina e atenciosa – melhor que tua mãe!
Quero, sim, proclamar o Papagaio símbolo-mor do povo salário mínimo!
Nada de tucanos, bem-te-vis, sabiás, sagüis, tatus, jaguatiricas, micos-leões dourados, onças pardas ou pintadas, tamanduás, veados-campeiros, araras, ararinhas, biguás, beija-flores, macucos, sucuris, jacarés, jabutis, teiús ou que mais inventem.
Sou Papagaio e não abro!
Faz tempo, precisei viajar. Deixei Fuderico aos cuidados de certa amiga, dama da noite e do babado livre. Compreenderam o teor da confiança, né?  Ao voltar, Dalvinha contou-me a última do papagaio
Tratava meu loirinho a biscoito de maizena, papas de milho ralado, mingau de aveia, sementes de girassóis, água mineral e quanto mais lhe fosse de gosto e prazer. Mantinha-o defronte à ventana, bem acomodado no gaiolão.
 Para maior comodidade do hóspede colocava uma coberta protetora ao redor do cativeiro temporário e ao brilhar o sol retirava a manta. Assim, o albergado aproveitava luz e calor, até surgir à primeira estrela da tarde. Antes de iniciar seu labor noturno, restaurava a privacidade (de ambos, evidente).
Determinada matina nossa heroína recebeu telefonema de um graúdo do mercado financeiro, anunciando visita na hora do almoço. Por necessidade de serviço abaixou a cobertura da gaiola da irrequieta avezinha.
O bichinho protestou – Senhora Dona Dalva, que dia tão curto hoje...
Caí na gargalhada. Essa o Raul Solnado contou na TV Record há mais de meio século
Mulher de mil madrugadas não se aperta por pequenas causas. Passou a mão no meu rosto, elucidou o fato.
- Praiano, para você ver. O Fuderico assistiu à reprise do Show, arquivou a tirada do antepassado na cachola, aproveitou a deixa na primeira oportunidade.
- Cadê as seiscentas pratas prometidas? Duas semanas de hospedagem cinco stars. Negócio é negócio.
No carro, puxei prosa com o loirinho.
- E daí, meu?
- Um sobe e desce sem parar. A coroa tem amigos prá cacete!
Vale insistir – Papagaio na cabeça!   

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