domingo, 25 de setembro de 2011

AVIÃO NÃO CAI


Avião não cai, derrubam!
            Na prática, a teoria de os inventores do “mais pesado que o ar” poder voar comprovou ser verdadeira. Nesse exato momento, pelo mundo todo, calcula-se estejam no espaço dezenas de milhares de aviões e correlatos, flanando de forma tranquila. Salvo se os responsáveis pela manutenção do “equipamento” tenham descuidado de verificar alguma coisa e uma peça mal revisada provoque falha mecânica irreparável capaz de ocasionar um desequilíbrio, que levará o bicho em parafuso de volta a terra.
Também pode acontecer erro humano. Nesse caso, o “serviço de bordo” é interrompido bruscamente e toda gente seguirá em direção ao Paraíso.
Tirando de letra essas possibilidades macabras, a viagem é simples. Como diz o velho Cuna – senta, aperta o cinto, sobe, cochila, beberica e desce.
O risco de acidente, apesar de mínimo, acontece na decolagem. Isto é, no solo!
            Os homens da cabine posicionam o avião de maneira adequada, aceleram os motores e pau – inicia-se a corrida! Velocidade Um (V-1).  Em determinado instante esta aumenta, se torna Dois (V-2). Aí não tem jeito. Brecar, impossível. Não há como fazê-lo sem espatifar o bruto. O que sobra de pista é pouco. Necessário levantar vôo, pouco importante, na hora, a conseqüência. Por estas e outras rezo um Pai Nosso antes da deslização!
 No alto, moleza. Dá tempo para acertar muita coisa, impedir muita asneira. Os modernos sistemas de computação substituem a imbecilidade dos Motoristas do Ar. Eles ficam p. da vida com a designação. São Comandantes, Pilotos, Co-Pilotos, Comissários... Dependemos da perícia deles: custa seguir a nomenclatura clássica exigida?
            Voar é bom. O chato são as estradas que levam aos aeroportos. Parecem atrair congestionamentos. Viagem tipo médio percurso transforma-se, fácil, em pesadelo. Preliminares à parte, difícil reverter um processo de transporte aéreo após a saída de casa. Colocou mala no carro, pegou caminho, suspender a programação impraticável. Os viadutos de retorno concentram tráfego maluco de ruim. Sábio conselho, relaxar... Dona Marta tem razão.
             O desenvolvimento de a aeronáutica é prova inconteste dos avanços tecnológicos obtidos pela humanidade no século XX. Esqueça transplante de órgãos, clonagem, desintegração do átomo, rádio, TV, telefonia celular, informática, mutações biológicas, o efeito da globalização, que mais desejar.
 Fixe-se na figura do mineirinho, filho de família rica, que, residindo em Paris, endoidou de vez. Começou a dar lidar com estranho aparelho avuando ao redor da Torre Eiffel, para desespero dos Irmãos Wright que lhe faziam concorrência longe do Campo de Bagatelle. Cem anos depois, comandava-se da Terra a descida de um robô em Marte a fim de vascular o chão do planeta em busca de água e vida. A Lua, após rápidas visitas, perdeu interesse. Pode?
O “pássaro de metal” traz compensações. Cunegundes afirma nunca haver ingressado num avião sem cruzar com pelo menos um padre ou duas freiras nas filas de embarque. Que tanto necessitam fazer nas nuvens? Presença obrigatória é a da descolada, louca para um flerte qualquer. Ah, injustiça olvidar o canalha executivo, pronto a repassar Cartões de Visitas para as mãos de aeromoças. Mantenho amizade com simpática “chefe de comissárias”, envaidecida de arquivar mil bilhetinhos com indicação de endereço e telefone de “admiradores”... O marido orgulha-se da popularidade da esposa honesta, trabalhadeira. Tive acesso ao baú onde guardam mensagens. Se publicarem nomes, comprovar-se-á: O Preço da Fidelidade é a Eterna Vigilância!
Desconheço divulgação de estudos psicológicos sobre condutas adotadas por passageiros, uma vez no ar. O pouco que sei é ligado à observação pessoal. Muito caminhei pelo espaço. Susto, um só. No meio do Atlântico, sem perceber a anomalia que nos levou de volta à África. A noite foi movimentada. Bendita pane! O Sivuca retornava à Pátria, conduziu o pagode. Dá para ter idéia? Além de tudo, um “First Class” recebe paparicos.
Voltando ao sério. Podem ficar surpresos. Sou extremamente calmo. Wiscky de confiança, uma garrafa de champagne, aquele pratinho com canapés variados, travesseiro gostoso, um filme do qual não verei metade tornam-se agrados suficientes para minha felicidade andante. Em vôos curtos, o jornal do dia. Nos médios, doses de Scotch satisfaziam. Bons tempos. Bêbado é quem vai com sede ao porre!  Deve-se detonar o barril gole a gole...
Desejo mesmo contar é o desenrolar da “Greve Portuguesa”, eu a bordo.
Minha irmã residia em Portugal. Injusto seguir, após trabalho na Itália, sem abraçar a menina, recém casada? Estivemos juntos, jantamos em Cascais, tarde fui dormir. Pegou-me às dez e meia da matina na porta do hotel, deixou-me no Portela de Sacavém (quem foi o gajo, ignoro). Fiz o despacho normal, aboletei corpo na larga poltrona, graças ao “up grade” concedido. O avião taxiou, chegou à ponta da pista... Motores desligados! O Comandante leu manifesto sindical, anunciando “greve de solidariedade aos vinicultores do norte do país”. Uma hora de paralisação. Que tinha a ver o cuco com as cartas? A “Revolução dos Cravos” ainda procurava rumos políticos. A fidalguia lusitana é insuperável. A Comissária achegou-se para explicações.
            - Excelência (logo eu). Por ordem da Central dos Sindicatos Unidos estamos em “parede”. Preparei-lhe acepipes, aqui as iguarias, o pote de caviar, o champagne conforme manifestou ser de gosto. A simples aceno, indico-lhe onde satisfazer vontades. No período de “obediência sindical” não posso tocar em nada. Sentou-se a meu lado, sorriu docemente, puxou prosa. Uma graça.
            Sessenta minutos depois, o Motorista do Ar, quatro listras, acionou os potentes. O Jumbão deslizou... V-1... V-2...  Alevantou-se !
À noitinha gargalhava em Ipanema, saboreando chopinho companheiro. Nunca dantes a certeza – Avião não cai. Derrubam!

sábado, 17 de setembro de 2011

ENTÃO, A CABEÇA ENDOIDOU DE VEZ


Na tarde de muito frio e azul celeste percebi a realidade. Sou simples ancião. Há muito abandonei bebidas alcoólicas, não jogo, não fumo, assusta-me a possibilidade de fracassar nas tentativas de fazer sexo gostoso. Daí, a inevitável indagação - que perspectivas encontro na vida para dizer-me feliz e desejar permanecer neste planeta? O caso é grave.
            Vou-me embora prá pasárgada. E se naquelas bandas não houver um Rei? Serei amigo de quem? Caso pasárgada seja uma ilha, talvez, possa andar de bicicleta, as águas salgadas do mar consolarão meus penares. A dúvida resume-se como encarar o depois.
Ocorre-me a idéia de a Natureza oferecer surpresas. Podem existir montanhas vermelhas, flores cantantes, animais de caudas longas e inteligência capaz de dialogar agradavelmente com estranhos. Sendo assim, esquecerei os parvos do nosso mundo, tentarei adaptar-me ao novo lar. Afastada a dúvida da incerteza, fixo-me na convicção – pior do que está não fica.
A Terra me provoca náuseas. É guerra, descaso ambiental, desídia no trato da coisa pública, corrupção, violência urbana, rural, terremotos, tsumanis, tramóias de tudo quanto é espécie. Deixei de acompanhar o noticiário geral por uma razão lógica. Os fatos são diferentes, mas a essência é enfadonha, suja, sem criatividade. Parece reportagem de carnaval. Um distraído assiste ao desfile de 2000, imaginando acompanhar o espetáculo deste ano. Com a vantagem de poder concordar com a esposa – Portela esteve melhor do que Salgueiro. O ritmo, plumas, baianas, evoluções, tudo muito igual. A Porta Bandeira, tesão de mau caminho.
O digitar das letras caminhava tranquilamente, nenhuma novidade na formatação de palavras, frases seguindo outras, quando aconteceu...
Pane geral no computador!
Que mais faltaria para completar o ciclo de desapontamentos? Até o notebook se posicionara contra mim. A crise existencial atingira o ápice. A partir de então, a luta. Homem cabeça contra máquina desconsertada. O caos se instalara na minha cuca. Como proceder?
Foi aquele aperta botão na esquerda, aciona o vizinho, liga, permuta combinações, consulta de manuais, a imprecatória chula, raiva, um sufoco.
Resultado? O “instrumento cibernético” venceu a batalha. Voltei à fossa.
Nesse exato momento minha neta, de onze anos, entrou no escritório.
- Uai, vô, de folga hoje?
- A geringonça descarrilou. Não consegui lidar com a teimosia desta porcaria. Perdi a guerra. O vô precisa mesmo partir. Velhice é triste.
- Não chama toda gente de ignorante? Chegou sua vez, garotão. É mal de geração. Vocês sabem o queaconteceu, descrevem o supérfluo, desconhecem o que está acontecendo e insistem em ignorar o que acontecerá amanhã logo cedo. Deixa analisar o problema.
Abriu o computador, deu uma olhadela, pediu que me retirasse para não perturbar o serviço. Chamou-me de volta em minutos. Tudo resolvido.
- 20 contos. Pode esquecer nota manchada. Dá confusa.
- Que houve afinal?
- Sigilo profissional. Não quero perder a boca. Arruma uma encrenca todo dia. Apenas para conquistar freguês, uma dica – erro primário!
Escafedeu-se com a gaitolina na mão. Uma graça.
Distanciei-me das nuvens negras que rondavam meu cérebro. A garota, inconscientemente, alertou-me para as próximas obrigações a cumprir. O homem ocioso jamais compreenderá o sentido da modernidade. O obsoleto lhe satisfaz. O melhor, quando não decifra um enigma é sacudi-lo janela fora.
Dane-se o aspecto físico da questão. O tédio vai no pacote Há valores cultivados por décadas, que desprezei durante um átimo de desânimo.
Não importa ao tempo o minuto que passa, mas o minuto que vem” - a menina enxergara além do real a que me habituara.
Tudo é sublime na juventude. Modo especial o inconformismo. Os cabeludinhos de 68 mostraram-se alienados em relação ao que mudar. Estavam descontentes, ponto final. Era quanto lhes bastava. Todavia, a partir das manifestações de Paris pouca coisa restou na ribalta do conservadorismo. O mundo precisou girar mais depressa para compreender o recado sem mensagem explícita. Uma nova geração assumira as rédeas do controle psicossocial do ocidente.
Acima da importância de indagar, que será de nossos filhos tão dispostos a fuçar informações, seria oportuno verificar qual contribuição eles esperam de todos nós para alcançar uma educação consistente, que lhes ajude a vivenciar com dignidade seus sonhos e amores.
É o xis da equação. Esperança versus Responsabilidade.
O problema vem da base. Família ausente, escola despreparada, um vácuo afetivo e cultural difícil de preencher.  
Há pouco, conversando com uma professora de português ouvi de seus lábios mal cheirosos – o mais pior é... Preciso explicar a reação?
 As crianças não são culpadas. O sistema, este sim, é irresponsável, maléfico, incapaz de atender demandas. Alunos, com certeza, escutam barbaridades no decorrer do ano letivo. Por dever estatístico recebem aprovação. Em nome do menos ruim.
Brasil, Brasil, meu Brasil... Ou preferem Brasiu?
Não fosse a referida pane, muito provável escrevesse um precipitado necrológio. Poderia, no texto, sugerir um epitáfio para minha lápide – não contem mais comigo !
Crônica é assim mesmo. O escriba vai para um canto, se esborracha no lado oposto. De tudo, entretanto, ficou o ensinamento – “o mundo é largo. Tem lugar pro gordo e lugar pro magro. Tolo é quem se mata”.
Que dizer de quem se desespera por pouco?

sábado, 10 de setembro de 2011

FLORES NA MANHÃ QUE NASCE


Vestido de chita cor-de-rosa, sandálias tipo havaiana, cabelos loiros, em desalinho, olhos de mel, apenas completadas doze primaveras, Carina, a florista, bate-me à porta, trazendo o vaso de crisântemos cultivado pela própria mãe. Inocente lorota na qual finjo acreditar entre sorrisos e meiguices.
            A menina é um doce de criatura. Visita-me nas terças e sábados, pouco importa esteja o sol a brilhar ou o firmamento se apresente carregado de nuvens ameaçadoras.  
Cumpre a obrigação de entregar encomendas; impossível desiludir a freguesia, conquistada à custa de persistência, graça e simpatia.
No bairro, toda gente a conhece e lhe dedica um bem querer fraterno, filial.
Carina reúne educação e simplicidade.  Inteligência viva, sorriso fácil, impossível distinguir sua melhor qualidade. Noutro dia mesmo, um vizinho confessava ter inveja de nossa relação. Sempre desejou conversar com a pequena vendedora, no entender de muitos a própria natureza em festa. Mas, dizia-me, eu o privara de concretizar tal aspiração.
 Nunca tive anseios de monopolizar tão bela amizade. Entretanto, é certo, ela reanima meu coração por vezes cansado dos desmandos da vida moderna.      
            Convido-a entrar. Sentamos lado a lado na mesa do desjejum. Antes, pede-me licença para lavar as mãos, circunstância jamais esquecida; ternura de civilidade. A pobreza não a desobriga de demonstrar o quanto aprendeu em casa.
- A gente ajuda na limpeza, faz a lição da escola, sobra tempo para ajudar as caçulinhas... Importante é rezar, pedindo luz. A família faz orações na hora de dormir, sabe doutor?!  
 Ofereço-lhe pão, queijo, manteiga, a xícara de café com leite, bolo de chocolate, ainda fumegante, suco de laranja, provavelmente sua mais consistente refeição da semana.
Em determinada ocasião cheguei a imaginar se estes momentos não seriam meros subterfúgios capazes de impedir reflexões a propósito de as obrigações de minha consciência perante a sociedade desguarnecida.
E se Carina for apenas um álibi mal costurado diante de Deus para amenizar meus pecados?
Pai, não tem. Contou-me haver abandonado mulher e filhas, envolvido com tramóias, malandragens e polícia. Sumiu nas brumas da degradação humana.
A mãe, feirante, luta por manter a prole entre privações e sofrimentos, mantendo padrão decente de trabalho e bom exemplo, esforçando-se para dignificar cada tostão ganho honradamente, aplicado sem desperdício. Assim vão vivendo de maneira humilde, modesta, briosa.
Esmolas? Nem pensar!
            A florista-doçura teima em batalhar insistentemente. Nada lhe assusta ou desanima. Salvo quando obrigada a permanecer na barraca, esperando compradores. A calmaria de um balcão não integra sua personalidade buliçosa.
Elétrica, vai construindo a vida; lutando, competindo, pelejando aqui, ali, acolá.
- Desculpem. Vendo flores e tenho um preço. Não paguem além do combinado. Detesto abusar nem receber o que não seja justo.
Na oportunidade em que ouvi tal frase, pronunciada com tanta convicção e altivez, desabei!
Positivamente estava a sonhar. Idealizei tratar-se de suspiros ou fantasia inquietante.
 muito desaprendemos a receber lições semelhantes.
 Entretanto, as palavras quantificavam a probidade presente no cérebro de uma infante...
 A partir de então, nos tornamos amigos... Amigos inseparáveis.
 A presença dessa criaturinha em casa tem o condão de fazer-me raciocinar a propósito do real valor da honradez em nossa existência e descobrir onde se localiza a morada da felicidade.
            O leitor poderia informar-me ou também sente dificuldade para desvendar este mistério?
Estaria o cofre da fortuna nos palácios imperiais, nas viagens paradisíacas entre nobres e bajuladores ou no comportamento descontraído e alegre duma pirralha encantadora? Na leitura de grandes livros ou na erudição científica dos doutores?
Não seria justo procurar na candura dos pequeninos, onde a maldade ainda não conseguiu penetrar?
            Perdi a conta de quanto procurei a Deus entre as estrelas que iluminam o Universo infindo. Incontáveis, também, as horas em que O encontrei dormindo junto a mim, repousando debaixo de meu travesseiro. Intrigante...
            Minha amiguinha termina a refeição frugal. Encabula-se ao agradecer.
            Tem os lábios lambuzados, o rosto tranqüilo, pressa para continuar o trabalho.
            Feliz da vida, pergunta pelo restante da família. Sabe o nome de cada um, a todos deixa um abraço.    Entrego-lhe o dinheiro devido pelo vaso de crisântemos.     Qual destino lhe reserva as necessidades duma gente desvalida, plena de virtudes e cuja presença ao nosso lado milhões ignoram neste mundaréu de cínicos ladravazes? Horroriza-me indagar-lhe.
Talvez seja para o aluguel mensal do cortiço. Por que não para adquirir um remédio, pagar dívidas de comida, comprar sabão de tanque, quem advinha?  
            Beija-me. Despede-se. Vai tratar da vida.
Em breve Carina será mocinha. A crueldade de a cidade grande lhe agredirá de todas as formas possíveis. Perceberá os desatinos coletivos e querendo manter convicções, terá de enfrentá-los com coragem e valentia.
            O escriba, um simples tabaréu sem méritos, não consegue descobrir as razões da presença de tanta miséria e desigualdade nesta terra onde as flores enfeitam os campos e o bicho-gente degrada sua própria permanência no planeta

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

MAIS UMA DE PAPAGAIO


Graças a méritos inquestionáveis, o Papagaio deveria ser reconhecido como o mais legítimo símbolo da gente brasileira.
 É falante, irrequieto, mordaz, travesso, debochado, malandro, afável, simpático, nenhum obstáculo lhe traumatiza, luta pela sobrevivência conforme as regras sociais que encontra pela frente. Seja na mata onde procria com liberdade ou no poleiro domiciliar, lugar em que exerce a nobre missão de criticar costumes, sem medo de censura e reprimendas.
 O loirinho atrevido representa a voz das ruas. É a corneta do populacho, a opinião nacional manifestada através de destemidas e desaforadas observações. Há quem prefira enaltecer a sabedoria da coruja. Defendo a coragem dos bravos. Não fora a audácia dos intrépidos, provavelmente a humanidade ainda vivesse na Idade das Pedras  
 Enxergo, pois, na penugem verde-amarela do estimado tagarela, a bem querência geral de ricos, pobres e remediados, questão de fartura à mesa pouco interessa.
Daí o raciocínio - a unanimidade é sempre idiota? A exceção, pelo visto, confirma a assertiva.
Os animais possuem numerosas graduações de perspicácia. Basta observar. O que lhes falta é capacidade para compreender ditames de consciência e a noção transcendente de o sentido da morte. Quem sabe, um dia, o homem, baixando de sua vaidade, descobrirá nos inferiores algum predicado que se confunda com inteligência, pois memória muitas espécies já desenvolveram. Ou você é dos que acreditam na conversa do barro, da costela, da maçã e da serpente?
“Maçã igual àquela, o papai também comia.”
Tudo faz sentido à luz da evolução, o que não invalida a grandeza da Obra Divina.  
Recordo-me de Herr Fritz, um alemão vizinho, que ensinava seu macaco a lidar com números e letras. Passava horas no mister amalucado.
 Um velho caiçara jardineiro, certa ocasião, encarou o esforço do germânico, mandou ver
Burro demais. Não notou que entre ele e o bugio há uma distância intelectiva de 30.000 anos, pelo menos?
.Era menino. Nunca esqueci o comentário!
 Meu papagaio aportou em casa, recém saído do ninho. Logo recebeu assistência pediátrica. É mole?
 Cresceu em graça e beleza. Discursa com desenvoltura. É inigualável na forma de soltar asneiras. Em estapafúrdios, empata com muito político da terra. Depende da hora. Empolga-se com aplausos fáceis. Ninguém consegue frear a língua do dito cujo. É maledicente por natureza. Poderia estar no Parlamento Nacional como líder de bancada ou integrante do baixo clero, lidando com ajeitações orçamentárias
Fuderico é descompromissado com a racionalidade. Detentor de renomada fama na redondeza houve amigos, (dele), que pensaram lançá-lo candidato a Deputado Federal. Pessoal graúdo. Intelectuais, artistas, líderes do GLST, a galera do boteco. Recusou a sugestão. Pediu respeito. Os palhaços são outros, pronunciou-se de forma a manter ilesa sua dignidade avícola.
 Apesar de abominar publicidade e manter reserva na vida particular, aprecia banhar-se junto ao parapeito da área de serviço. Adora praia. Semanalmente dá uma geral na namorada, moradora no 51. Não enjeita wiscky (ainda vão matar meu bichinho de cirrose).
Interessante é quando lhe perguntam – tudo azul, meu verde?
A resposta é fina e atenciosa – melhor que tua mãe!
Quero, sim, proclamar o Papagaio símbolo-mor do povo salário mínimo!
Nada de tucanos, bem-te-vis, sabiás, sagüis, tatus, jaguatiricas, micos-leões dourados, onças pardas ou pintadas, tamanduás, veados-campeiros, araras, ararinhas, biguás, beija-flores, macucos, sucuris, jacarés, jabutis, teiús ou que mais inventem.
Sou Papagaio e não abro!
Faz tempo, precisei viajar. Deixei Fuderico aos cuidados de certa amiga, dama da noite e do babado livre. Compreenderam o teor da confiança, né?  Ao voltar, Dalvinha contou-me a última do papagaio
Tratava meu loirinho a biscoito de maizena, papas de milho ralado, mingau de aveia, sementes de girassóis, água mineral e quanto mais lhe fosse de gosto e prazer. Mantinha-o defronte à ventana, bem acomodado no gaiolão.
 Para maior comodidade do hóspede colocava uma coberta protetora ao redor do cativeiro temporário e ao brilhar o sol retirava a manta. Assim, o albergado aproveitava luz e calor, até surgir à primeira estrela da tarde. Antes de iniciar seu labor noturno, restaurava a privacidade (de ambos, evidente).
Determinada matina nossa heroína recebeu telefonema de um graúdo do mercado financeiro, anunciando visita na hora do almoço. Por necessidade de serviço abaixou a cobertura da gaiola da irrequieta avezinha.
O bichinho protestou – Senhora Dona Dalva, que dia tão curto hoje...
Caí na gargalhada. Essa o Raul Solnado contou na TV Record há mais de meio século
Mulher de mil madrugadas não se aperta por pequenas causas. Passou a mão no meu rosto, elucidou o fato.
- Praiano, para você ver. O Fuderico assistiu à reprise do Show, arquivou a tirada do antepassado na cachola, aproveitou a deixa na primeira oportunidade.
- Cadê as seiscentas pratas prometidas? Duas semanas de hospedagem cinco stars. Negócio é negócio.
No carro, puxei prosa com o loirinho.
- E daí, meu?
- Um sobe e desce sem parar. A coroa tem amigos prá cacete!
Vale insistir – Papagaio na cabeça!