quinta-feira, 18 de agosto de 2011

PINGA FOGO


As sessões do Parlamento se iniciam com o “Pequeno Expediente”, vulgo “pinga fogo.” É horário destinado a comunicações de menor importância, leitura de trechos jornalísticos editados em publicações interioranas, momento de glória para qualquer integrante do “baixo clero” deitar e rolar, fazendo média com os eleitores de sua região de origem.
Na realidade, ninguém escuta o que dizem, o plenário está vazio, quem preside a Mesa Diretora é o terceiro ou quarto secretário, quando muito. É um período fértil para se conquistar apoios nas futuras eleições legislativas.
Alcançaram o macete? Fácil explicar.
O orador em causa relembra a morte do doutor “fulano de tal”, insigne patriarca da família “não sei das quantas”, honrada estirpe do agreste brasileiro. Após o necrológio, solicita conste dos anais “voto de profundo pesar” pelo ocorrido. Através do artifício regimental surgem no horizonte gratidões de dezenas de parentes do falecido. O azar é “colega”, que disputa votos na mesma área, pedir licença para subscrever o dito cujo requerimento. A iniciativa perde metade do efeito eleitoral.
O próximo inscrito, então, lê noticiário sobre a coleta de lixo no município “Janjão sem braço” conforme matéria do semanário “gazeta das gamboas” – grande órgão da imprensa pátria. Postula transcrição da reportagem na Ata da sessão e aguarda repercussões de sua luta em defesa dos interesses do município que representa “com ardor vigilante”.
Aniversário de Cidade, alusão ao esforço desprendido pelo conjunto de professoras de “Grupo Escolar Beltrano da Silva”, referência às iniciativas pastorais do bispo “Dom Magano”, coisas do gênero, também proporcionam rendimentos de urna.
Brilham, entretanto, autores de projetos. Aparece cada um!
O “representante do povo” não se aflige, nem se perturba, com o besteirol que patrocina. Problema das Comissões e do Plenário. A barbaridade objetiva, apenas, mostrar serviço aos “companheiros de campanha”. Haja coração.
O soar das campainhas anunciam o começo do “Grande Expediente”, ou seja, o debate que antecede votações e demais babados constantes na “Ordem do Dia.” O “baixo clero” desaparece.
Não é uma fuga como se imagina. A “galera sem comando e sem reverências” dirige-se ao fundo do salão. Senta-se quase anonimamente. Fica à espreita de ofertas da direção para manter-se fiel às decisões partidárias. Não raro, fatura algum.
Talvez, um cargo para o sobrinho recém casado, a nomeação do atual genro para emprego de boa remuneração, a liberação da verba para a ponte que nunca será construída, promessa a ser honrada.
Correm meses, anos, a legislatura, chega o pleito seguinte e se existem mudanças, acontecem noutros setores. O clero sem voz e liderança retorna ileso por graça e benção das manifestações de mínimo significado político.  
Por um triz perco a oportunidade de escrever. De uns tempos a esta da parte, a TV tornou-se peça decisiva para a sobrevida parlamentar. A malandragem consiste em desfilar – tal mariposa virando bolsinha na noite – pela escadaria que dá acesso às tribunas. Sujeito (a) vai, volta, retorna sem rumo ou destino. Todavia, sua estampa está na mídia. Eta nóis!
 O cara-de-pau, firme no sobe desce, amanhã tem mais.
 Na sexta, ligeira palavrinha para “comunicação inadiável” certamente ligada às ”bodas de prata” de determinado compadre e asas para que te quero!
 Avião por conta da verba de representação, fim de semana com a clientela. Somente na terça, batente de novo. Ninguém é de ferro.
Há décadas observo pilantragens de igual natureza. Ultrapassada a impressão de ter avistado tudo, aparecem novidades. A criatividade integra a índole eleitoreira dessa malta de desocupados da Pátria, mãe gentil.
Reparem nas comemorações que floresceram na picardia legislativa.
Dia dos Idosos, da Mulher, do Consumidor, Internacional Contra a Discriminação Racial, da Saúde, da Conservação do Solo, do Índio, da Raça, dos Namorados, das Mães, dos Pais, do Vovô, da Vovó, da Revolução Constitucionalista, do Amigo, do Agricultor, do Folclore, do Médico, do Engenheiro, do Advogado, do Veterinário, da Árvore, da Natureza, do Deficiente Físico, do Maçom, da Criança, da Pecuária, do Professor, do Funcionário Público, da Terceira Idade, dos Santos, dos Mortos, da Consciência Negra, da Luta contra AIDS, da Família, do Padre...
Não falamos em Ano Novo, Natal, Trabalho, Semana Santa, Carnaval, Independência, República, Festas Juninas, Feriados tradicionais etc. etc. etc.
Benito di Paula tinha razão - “tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus...
Alguém aventou a hipótese de se criar o “Dia da Outra”. Petardo prá mais de cem mil votos, dependendo da Unidade Federativa.
Confrade Cunegundes repicou:
- Bobagem. Se aprovarem o projeto, a Presidente veta. Retorna ao Congresso... Rebu formado.
- Não percebo...
- Simples Praiano. Na data festiva o “mantenedor da filial”, se inventar viagem ou algo semelhante a fim de deliciar-se nos braços da regra três, passará recibo de pula cerca fixa perante a dona do martelo. Caso não compareça ao Apê da teúda e manteúda, demonstrará covardia e mau caratismo. Lascado por ter, lascado por não assumir.
- Sendo assim...
- Os sujeitos assaltam o Tesouro, mas não são burros.
 Lembra do “calouro” apresentando-se ao Dr. Ulysses? Que ouviu do velho?
- Meu filho o Congresso é um arco-íris. Nos corredores circulam sujeitos que nada fazem e indivíduos capazes de tudo fazer. Atendem aos mais diversos apetites. Aqui você encontrará ladrão, cabra valente, cidadão honesto, parlamentar pobre, rico, analfabeto, homem de letras, gente confiável, canalha, veado, proxeneta, contrabandista, até santo. No Parlamento inexiste uma figura – a do Burro!  Esse morreu na praia. Ficou na suplência!
Cuna completou o raciocínio:
- O “Dia da Outraé ilusão barata. Não entra no cérebro de nenhum deles. Armar “confusa” com amigos? Nem pensar. Aquilo é um clube social.
A propósito camaradinha - pede “outra” dose do mesmo. Vamos ao “cachorro engarrafado”. A noite abrilhanta este mundo, imundo. Sorria !

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