terça-feira, 12 de julho de 2011

NO MEIO DA JORNADA HAVIA UM MAR

A gente percebe estar chegando ao fim quando descobre que nossa pequena história de vida se cruzou com uma história maior e dela fizemos parte, não como capítulo, parágrafo, nota no rodapé de pagina desinteressante, senão como simples vírgula separando palavras incluídas no texto para arrematar frase escrita com exclusiva finalidade de encompridar redação. Ou seja, apêndice desnecessário para o entendimento daquilo que um escritor quer transmitir.
Excluídas determinadas vaidades próprias do gênero humano notamos ser, no máximo, um ponto no livro sobre o qual críticos poderão dizer se valeu ou não ter sido publicado.
Todavia, agradável saber, que entre tantos pontos de exclamação ou interrogação nele estivemos presentes de modo modesto aos olhos de observadores distraídos. Para muitos é quanto basta.
Não deveria ser assim.
O cidadão conformado, cedo ou tarde, transforma-se em sujeito medíocre por natureza. Contentando-se com migalhas, assiste crescer dentro de si a apatia dos indolentes, contraparente da ociosidade.
Também, muito lhe apraz permanecer sentado durante décadas numa cadeira de Repartição Pública aguardando promoção por antiguidade ou ajuda política de algum consangüíneo vitorioso Mais provável despontar para o anonimato. Vira Jeca-Tatu, o personagem símbolo da resignação.  
Confesso invejar aventureiros que desdenham o bom senso e a responsabilidade existencial.
Os homens do mar, por exemplo.
Amarram o medo na beira da praia e saem em direção ao desconhecido à busca de façanhas e descobertas.
Para eles o mundo é pequeno. O grande prazer é avistar horizontes e embora tenham certeza de nunca poder alcançá-los, continuam jornadas sem contemplar as espumas deixadas aquém da popa de seus barcos.
Em determinado fim de noite defrontei-me com o promontório das Tormentas. Passageiros privilegiados éramos dúzia e meia a observar a grandiosidade do Adamastor. Alfinetado de estrelas o firmamento apresentava tênues sinais de claridade. Fazia frio.
 Naquele lugar, ventos polares encontram o primeiro obstáculo para prosseguir doido trajeto. No longínquo rincão velhos marujos, há séculos, enfrentaram a agitação das ondas e ajustaram as pequenas caravelas para nordeste. Procuravam a rota marítima para as Índias. Não viram fantasmas nem monstros. Venceram a fúria de anunciado suplício.
Coragem e destemor transfiguraram o pânico em Boa Esperança!
Separando o gigantismo do Cabo Africano duas realidades distintas, enormes diferenças comportamentais.
De um lado, o pavor dissipado pela firmeza de propósitos na busca de objetivos. Doutro, recuos e retornos sem glórias nem conquistas.
A exaltação da ousadia transmudou-se no épico camoniano, cuja admiração pela empresa marcou o feito realizado “por mares nunca dantes navegados”.    
O homem é construção inacabada. Está permanentemente envolvido com o contraditório dos acontecimentos e a ambigüidade de sua própria identidade.
Reconhecer a valentia dos bravos, sempre se tornará ato de justiça.
Da mesma forma entendo a apatia dos desafortunados. Não nasceram para combater. São unicamente sofredores. Abrigam, no espírito, as aflições da vida.
 Nada fácil penetrar no interior do próximo. A própria psicanálise depara com grande dificuldade para interromper bloqueios retidos no cérebro alheio.
 Cada qual é cada qual, salientaria quem fosse capaz de trazer ao palco toda dramaticidade de uma peça escrita por autor desconhecido.
Se todos fossem iguais, que graça haveria?
Recordo-me também – como esquecer? - de conversa escutada no patamar de pequena estação ferroviária no tempo em que havia movimento de idas e vindas de passageiros.
Aguardava o momento de embarque. A certa distância, senhores bem apessoados conferiam idéias. Difícil precisar o tema.
Às tantas, um deles falou em tom professoral:
- Nossa passagem neste mundo de Deus resume-se a uma seqüência de oportunidades, ganhas ou perdidas.
- Extenso panorama, semelhante a linhas paralelas. Algo parecido com o trafegar de trens. Eles vão e voltam, mas nosso bilhete destina-se a embarcar em determinada composição. É preciso estar atento quando à hora e plataforma, se não quisermos ficar ao léu.
- Há os cuidadosos que aproveitam o ensejo e nunca se atrapalham. Existem os que se atrasam um pouco e à custa de tropeços conseguem subir no último vagão, apesar da desídia. Infelizes os que desprezam a noção de tempo, espaço, compromisso e...  Ficam parados espreitando a curva por onde julgam surgir o comboio desejado:
- Que não vem, não vem, não vem, não vem... Nunca mais virá.
Há muito passou na hora exata. Está longe, longe, longe, longe...  No minuto seguinte, mais longe ainda.
O pesadelo dos fracos ocorre quando decidem retornar a casa para envelhecer, inertes, inermes, precocemente!

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